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Rússia volta a atacar Mariupol após cessar-fogo parcial para retirada de civis

Depois de uma operação de dois dias em que mais de cem civis foram retirados do último reduto de resistência dos ucranianos em Mariupol, a usina de Azovstal voltou a ser atacada pela Rússia, de acordo com a prefeitura local.

Mariupol se tornou uma cidade-símbolo da Guerra da Ucrânia. Após semanas sob cerco das tropas de Moscou, o município onde viviam mais de 400 mil pessoas foi reduzido a ruínas e se tornou palco da mais grave crise humanitária do conflito.

Desde meados de abril, porém, parte dos civis que ainda permanecem na cidade e dos soldados que resistem ao avanço russo se abriga na usina de Azovstal. O complexo, criado ainda durante o período soviético, inclui um labirinto de bunkers subterrâneos nos quais há um número desconhecido -estimado às centenas- de ucranianos se protegendo dos ataques russos.

Moscou se refere aos civis que ocupam Azovstal, porém, como reféns ou prisioneiros do “regime de Kiev”. Parte da narrativa se deve ao fato de que, entre as forças de segurança da Ucrânia, estão membros do Batalhão Azov, uma milícia ligada a ideologias nazistas que surgiu no país em 2014. Entre as justificativas oficiais para invadir o vizinho, a Rússia cita a missão de “desnazificar” a Ucrânia.

Em nota divulgada nesta segunda-feira (2), o Ministério da Defesa russo atribui a operação de retirada de civis no último fim de semana a Vladimir Putin. Omite, no entanto, que no último dia 21, quando cantou vitória sobre Mariupol, o presidente ordenou um cerco a Azovstal de modo “que nem mesmo uma mosca” pudesse escapar. Na ocasião, o líder russo prometeu salvar a vida dos que se rendessem às forças de seu país e se referiu aos abrigos sob a usina como “catacumbas”.

O comunicado desta segunda contabiliza 126 indivíduos retirados da usina e de áreas residenciais nos arredores do complexo. O ministério ressalta que alguns civis “voluntariamente decidiram permanecer na República Popular de Donetsk” -o modo como Moscou passou a se referir à província desde que a reconheceu, junto com Lugansk, como independente, dias antes do início da guerra.

Ainda de acordo com a Defesa russa, os civis que escolheram “ir para o território sob controle do regime de Kiev” foram entregues a representantes da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Cruz Vermelha -que são, na prática, as duas instituições que lideraram a operação de retirada.

Em um discurso noturno ainda no domingo (1º), o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, agradeceu especialmente às duas entidades pelo sucesso da operação. “Hoje, pela primeira vem em todos os dias da guerra, esse corredor vital começou a funcionar. Pela primeira vez, houve dois dias de verdadeiro cessar-fogo nesse território”, disse.

Os civis retirados de Azovstal foram levados em um comboio até a cidade de Zaporíjia, cerca de 200 km a noroeste de Mariupol, onde há um centro de acolhimento de refugiados.
Uma nova operação de retirada de civis estava agendada para esta segunda-feira, mas nem chegou a começar. Oficialmente, não está claro o motivo, mas há relatos de que os novos ataques russos foram o empecilho.

Em entrevista à agência de notícias Reuters, o capitão ucraniano Sviatoslav Palamar, 39, vice-comandante do Batalhão Azov, afirmou que a usina foi alvo de bombardeios contínuos durante a noite de domingo e madrugada de segunda.

Disse ainda que é possível ouvir as vozes de pessoas que estão presas nos bunkers, especialmente mulheres, crianças e idosos, mas que as forças ucranianas não têm o equipamento necessário para retirá-las dos escombros.

Segundo Palamar, o cenário atual em Mariupol tornou-se um “grande fardo” para Zelenski. “Como comandante em chefe e como presidente, ele é responsável não apenas pelos civis que ficam aqui, mas também pelos militares, responsável ​​pelos soldados feridos que estão morrendo aqui, que precisam de atendimento médico de emergência.”

À medida que mais civis conseguem deixar Mariupol, multiplicam-se os relatos sobre a dimensão da tragédia na cidade. “Nossa casa está completamente destruída. Tínhamos uma construção de dois andares. Não existe mais, queimou até o chão”, disse a ucraniana Natalia Tsintomirska, que chegou em

Zaporíjia levada por uma van de serviço funerário.
Ielena Aitulova, 44, contou à Reuters que ficou abrigada em um bunker de Azovstal desde 24 de fevereiro, dia em que a guerra começou. “Durante um mês, comemos -mais de 40 de nós- seis latas de comida. Fazíamos dois baldes de sopa e passávamos o dia todo com isso.”

Quando conseguiu sair do abrigo, disse que pelo menos 40 pessoas foram deixadas para trás. “Os soldados vieram e escoltaram as primeiras 11 pessoas, aqueles que estavam gravemente doentes, tinham asma ou precisavam de insulina, e também três de nós, aleatoriamente.”

 

Por: Folhapress