Tecnología

Jaron Lanier, polêmico cientista da Microsoft, critica big techs e criptos e diz que tem medo do TikTok

Os dreadlocks de Jaron Lanier continuam os mesmos. E as opiniões polêmicas sobre internet, redes sociais e inteligência artificial, também. Para quem não lembra, Lanier é um cientista, filósofo, escritor e artista que nunca hesitou em atacar os efeitos negativos da tecnologia – condenando a polarização gerada pelas redes sociais, muito antes do termo fake news ter sido criado. Entre seus livros de sucesso, estão “Você não é um Aplicativo”, “Bem-vindo ao Futuro” e “Dez Argumentos Para Você Deletar Agora Suas Redes Sociais”.

O visual hippie não é à toa. Lanier é um rebelde que atua dentro do próprio sistema que ataca. Foi um dos criadores da realidade virtual, que desenvolveu na startup VPL Research, a primeira a vender equipamentos de RV, ainda nos anos 1980. Atualmente, trabalha como cientista pesquisador na Microsoft. Mas, questionado, não tem o menor problema em atacar os bilionários da internet, lamentar a maneira como as grandes companhias (incluindo a sua) lidam com a inteligência artificial e celebrar as qualidades da Web3.

 

Perigos da inteligência artificial

 

“A tecnologia hoje está muito centralizada, e não existem regulações. A razão dessa centralização é que são necessários equipamentos robustos, com programas complexos, para conseguir os resultados que queremos. E só algumas organizações no mundo têm os recursos para isso. Microsoft e Google estão nesta lista. A China obviamente pode fazer isso.

O que precisamos fazer é mudar o modelo de negócio. Precisamos lembrar que os algoritmos não são essas inteligências mágicas criadas por alienígenas. Eles são criados e alimentados por seres humanos. Então, é preciso conferir às pessoas a responsabilidade de tornar os algoritmos melhores. Por exemplo, se um algoritmo for racista, é preciso designar pessoas que irão colocar os dados corretos e fazer com que seja menos racista.

Esse tipo de atividade deve virar uma profissão, pessoas encarregadas de alimentar o algoritmo com as informações certas, para torná-los menos enviesados. Isso pode também ajudar a reduzir o desemprego.

Ao mesmo tempo, pessoas que têm más intenções e colocam dados negativos nos algoritmos, para prejudicar os outros e a sociedade, deveriam ser banidos. Se tivermos um sistema econômico no qual as pessoas são incentivadas e recompensadas para serem contribuidores positivos, teremos algoritmos que funcionam melhor e são menos centralizados. E esse é o futuro no qual precisamos chegar.”

 

Bilionários nas redes

 

“Apesar de tudo, acho que temos sorte. Os bilionários que nós temos hoje, controlando as big techs, não são tão horríveis quanto poderiam ser. A maioria deles são apenas pessoas de mente pequena, mas não do mal. Mas acho que, se continuarmos seguindo esse modelo, vamos ter bilionários cada vez piores no futuro. Temos que corrigir isso a tempo. Mas, para isso, é preciso criar direitos individuais sobre os dados, e remunerar as pessoas que cuidem dos algoritmos.

Para descentralizar, a Web3 funcionará associada ao blockchain e às criptomoedas. Eu respeito muito a tecnologia, mas não acho que tenha dado certo no mundo real. Porque as criptomoedas premiam apostas, especulações, e não desenvolvimentos no mundo real. Se você coloca dinheiro em um investimento tradicional, banco, ações, startup, esse dinheiro vai trabalhar, construir algo.

Investir em cripto é como colocar dinheiro em um colchão, e daí você torce para que alguém venha e pague mais do que você colocou. Mas, no final, alguém vai ficar com um colchão que não vale nada. Hoje, são as pessoas mais experientes que ganham mais com cripto e NFTs. E as pessoas que perdem dinheiro são as mesmas que perdem com outros investimentos. Então, todo esse sistema precisa ser aprimorado.”

Liberdade de expressão absoluta

 

“Eu não acredito nesse discurso do Elon Musk quando ele diz que defende ‘a liberdade de expressão absoluta’. Veja bem, a diferença entre 99% e 100% é a diferença entre a civilização e o caos. A verdade é que não existe nada absoluto. Há sempre exceções, situações especiais, assédio, discurso de ódio, tentativas de desestabilizar a sociedade. Não podemos liberar tudo isso.

No passado, eu costumava falar sobre os efeitos nocivos das redes sociais e as pessoas não entendiam. Mas agora todos sabem que, quando existe um sistema no qual os usuários competem por atenção, ele vai recompensar as piores pessoas, não as melhores pessoas. Então, você cria uma estrutura de incentivo que amplifica os discursos mais prejudiciais. E, quando faz isso, prejudica tantos os indivíduos, que são assediados, quanto a sociedade, que é desestabilizada. E esse sistema tende a promover os piores políticos.

Esse sistema ajudou a criar os piores líderes em todos os lugares. Estive no Brasil, na Hungria e na Turquia, em época de eleições. E vi acontecer nos Estados Unidos também, claro: esse tipo de política que é guiada  pela raiva e por discussões estúpidas. Isso sempre esteve lá, mas agora está amplificado, e isso faz toda a diferença. Isso gerou uma série de líderes mal-humorados e imaturos.

Antigamente, os políticos eram homens fortes, que não ligavam para o que os outros diziam. Mas os novos políticos são muito frágeis: ‘Oh, como você pode dizer uma coisa dessas sobre mim?’ Eles são estranhamente vulneráveis e infantis. E isso é um produto das redes sociais. E, de novo, não estou falando do Brasil.”

 

Com medo do TikTok

 

“Hoje as pessoas dizem que eu estava certo sobre as redes sociais, mas daí não querem pensar nas consequências desastrosas que o TikTok pode ter. Nós já vimos a influência que a China tem sobre o aplicativo, ao censurar a discussão de certos temas como os Uyghurs, o Taiwan, o Tibet. E há também um certo orgulho da China estampado ali.

Se eles podem influenciar esse tipo de coisa, também podem ir muito além disso. Imagine um cenário em que a China pode usar o aplicativo para desestabilizar certos países, da mesma maneira que os russos usaram o Facebook e o Twitter para desestabilizar os Estados Unidos. Mas com mais intensidade, porque a China tem um tipo de poder mais forte sobre o Tik Tok. Então, não quero ser paranoico, mas acho que temos que ser realistas sobre o potencial negativo aqui. E eu acho que deveríamos estar fazendo algo sobre isso.”

Por : Época Negócios