Após décadas de redução sistemática, os índices de óbitos maternos voltaram a crescer no Brasil, em especial a partir do início da pandemia. Em 2019, a razão de mortes de gestantes e puérperas por 100 mil nascidos vivos estava na faixa de 58. Em 2020, com uma alta de 25%, o índice foi 72; e saltou para 107 em 2021, conforme levantamento recém-publicado pela Fundação Abrinq. Para piorar, o Observatório Obstétrico Brasileiro considera que houve subnotificação de 12%, isto é, 347 mortes deveriam se enquadrar na categoria, mas não entraram na estatística oficial do ano passado.
A situação já foi muito mais grave: em 1982 as taxas eram de 156 mortes maternas por 100 mil nascimentos, que reduziram ano a ano. Mas o Brasil ainda está longe da meta estabelecida pela ONU – e por falta de políticas públicas mais robustas, se distancia ainda mais. A explicação central é a covid-19, em dimensões variadas – mas o problema vai bem além dela.
“Nós tínhamos como meta chegar no ano de 2015 a uma razão de morte materna de 35, e não conseguimos. O novo acordo do Brasil, pensando nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, é chegar ao ano de 2030 com uma razão de morte materna de 30/100.000”, declarou Rossana Francisco, chefe de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital das Clínicas de São Paulo, ao Jornal da USP. Os dados estão disponíveis no Painel de Monitoramento da Mortalidade Materna, da Secretaria de Vigilância em Saúde, atrelada ao Ministério da Saúde, e estão atualizados até junho deste ano.
A negligência governamental na pandemia atingiu mais duramente as grávidas. “As mulheres adoeciam e iam para uma enfermaria. Não para uma referência obstétrica de covid. Tivemos partos induzidos e cesarianas em UTI de covid. E as mulheres morreram”, criticou Fátima Marinho, médica e especialista em saúde coletiva, em entrevista ao Outra Saúde. Ela coordenou o trabalho do Conass em parceria com a Vital Strategies a respeito das “mortes excessivas” na pandemia, isto é, aquelas que estiveram acima da curva demográfica observada entre 2015 e 2019. O estudo é atualizado a cada mês e pode ser lido aqui.
Apesar do discurso oficial pró-família, religioso e antiaborto, não houve qualquer iniciativa do ministério da Saúde para conter essa faceta da crise sanitária mais grave da história do país. E não faltam informações, pois como mostra o próprio painel oficial acima mencionado, a taxa de mortalidade por covid entre gestantes é de 7,2%, ao passo que na população em geral fica em 2,8%.
“Tivemos 5 mil mortes de gestantes na pandemia. Mulheres que não tiveram o direito de viver, filhos que não puderam nascer. Inclusive porque se fez muitos discursos de dúvidas sobre vacina em gestantes, o que fez muitas mulheres temerem tomar a vacina”, explicou Fátima Marinho. Ela coincide com Rossana Francisco na análise de que as gestantes deveriam ter sido alvo de uma política especificamente voltada a elas durante a pandemia.
Muito além da covid, a disparada da mortalidade materna se relaciona com outros fatores. “Nós não temos no Brasil leitos dedicados à unidade de terapia intensiva para gestantes e puérperas. Então, o que nós precisamos é refletir sobre essa atenção e fazer as mudanças necessárias para que a gente possa ter razões de morte materna inferiores a dez, que é o que a gente vê na Europa”, afirmou Rossana Francisco.
A piora nas condições de vida, a baixa qualidade do pré-natal e a demora na assistência também estão forçando a curva da morte materna para cima. Assim, o Brasil se distancia dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU, que estipula a razão de 30 óbitos para 100 mil nascidos vivos como meta. Os melhores índices do mundo estão na Europa, com 13 para 100 mil.
Fonte: Outras Palavras