BAHIA

BRT chega com atraso e é o mais caro já construído no Brasil

A relação custo-benefício consagrou o sistema BRT (Bus Rapid Transit) no mundo, na segunda metade do século passado. Tratava-se de um conceito simples de transporte público, que unia faixas exclusivas para o trânsito de ônibus, deixando os deslocamentos mais rápidos, e facilidades para o passageiro (estações elevadas, na altura da entrada dos veículos, e pagamento antecipado de passagem).

Além disso, o BRT desestimulava o uso de automóveis particulares por onde passava, ao delimitar um espaço exclusivo para a circulação de coletivos nas vias preexistentes.

Tudo por um investimento proporcionalmente muito baixo, por parte do poder público, na comparação com outros modais, como metrô e trem.

Meio século depois, enquanto alguns dos BRTs mais bem-sucedidos do mundo no passado enfrentam questionamentos e problemas graves, em meio a uma nova realidade socioeconômica global, o sistema finalmente chega a Salvador. E chega sem nenhum dos predicados que o levaram a ser tão popular em alguns países até o início deste século. A começar pelo custo.

Previsto para ter operações iniciadas na próxima sexta-feira (23), em fase de testes, o BRT de Salvador é, de longe, o mais caro já construído no Brasil. 

O trecho que será inaugurado nesta semana, de 4,4 quilômetros, em área nobre da cidade – ligando a Pituba, na altura do Posto dos Namorados, ao Itaigara, nas proximidades do Shopping da Bahia –, custou R$ 283 milhões, segundo informações da própria Prefeitura, ou R$ 64,32 milhões por quilômetro. 

Como comparação, o valor é maior do que o investido pelo governo do estado na construção da moderna Via Metropolitana Camaçari–Lauro de Freitas, com extensão de 11,2 quilômetros (R$ 215 milhões).

O valor proporcional chega a ser seis vezes maior que o investido em sistemas semelhantes de outras capitais, como Recife, Fortaleza e Rio. E muito mais que o estimado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que calcula em entre R$ 10 milhões e R$ 30 milhões o custo por quilômetro de uma obra do gênero. 

Poderia ser pior: os próprios consórcios responsáveis pela obra ofereceram “descontos” à Prefeitura para a realização da construção, após o Tribunal de Contas da União (TCU) apontar indícios de sobrepreço nas licitações e iniciar auditorias nas contas. 

Neste primeiro trecho de operação, segundo o próprio prefeito Bruno Reis (UB), o “desconto” chegou a 46% do valor. Ou seja, pela licitação promovida pela Prefeitura, o custo para os cofres públicos seria o dobro.

Sem estudos

O elevado custo da obra, porém, está longe de ser o único problema do BRT em Salvador. Em um movimento sem precedentes na administração pública contemporânea do País, a Prefeitura, então sob gestão de ACM Neto, deu autorização para que as obras do modal fossem iniciadas, em 2018, sem que fosse apresentado nenhum tipo de estudo de viabilidade. 

Nem ambiental, nem de mobilidade, nem de impacto urbano, nem econômica. Ao ponto de os Ministérios Públicos Estadual e Federal ingressarem com Ação Civil Pública (ACP) conjunta contra a realização do empreendimento. O processo tramita na 14ª Vara Federal Cível.

A reação da opinião pública contra o início da construção também foi instantânea. Artistas do calibre de Caetano Veloso e Tom Zé, entidades de classe, como o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-BA), e ONGs globais, como o Greenpeace, e regionais, como o Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá) e o movimento Canteiros Coletivos, se posicionaram contra o sistema BRT ainda antes de as obras começarem. Em vão.

A Tarde