A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia fez um discurso nesta quarta-feira (26) em agradecimento pelas manifestações de apoio nos últimos dias, após ter sido vítima de ataques misóginos e preconceituosos do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ).
“Gostaria de reafirmar que nós somos um tribunal”, afirmou, destacando que o objetivo do STF é “fazer cumprir uma Constituição”.
“Como já foi reiterado aqui, não é tarefa simples. Menos ainda, em horas de tentativa de subversão ou de erosão democrática e contra o estado de direito. […] Dificuldades fazem parte, mas o Brasil vale a pena, o estado de direito vale a pena, a democracia vale o que cada um de nós faz”, afirmou Cármen Lúcia.
“Vários de nós passamos – nesses últimos tempos especialmente, talvez diferente de outros períodos, mas que já devem ter se repetido em outros períodos – por agruras que vão além de qualquer civilidade”, declarou.
“Portanto serenamente, do mesmo jeito, continuo julgando e acho um privilégio na minha vida estar entre os senhores ministros desta composição. Tenho certeza de que estamos juntos, porque o atingimento de um é de todos, mas nós temos este compromisso com este grande sonho dos homens, no caso brasileiro, constitucionalmente definidos”, afirmou.
Em vídeo publicado na internet pela filha Cristiane Brasil, Roberto Jefferson proferiu xingamentos contra a ministra por discordar de um voto dela em julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
As ofensas, somadas a outras infrações, levaram o ministro Alexandre de Moraes a revogar a prisão domiciliar de Roberto Jefferson e determinar o retorno dele à prisão. Quando a PF foi cumprir o mandado, Jefferson disparou granadas e tiros de fuzil, ferindo dois agentes. Agora, ele responde também por quatro tentativas de homicídio.
Jefferson voltou ainda a ofender a ministra na audiência de custódia que manteve a prisão preventiva do político em regime fechado.
Apoio de colegas
Na abertura da sessão desta quarta, a presidente do STF, ministra Rosa Weber, leu em plenário a nota de repúdio às agressões que já tinha sido divulgada pelo tribunal.
O texto diz que o STF “manifesta seu veemente repúdio à agressão sórdida e vil, expressão da mais repulsiva misoginia, de que foi vítima a ministra Cármen Lúcia” e que “condutas covardes dessa natureza são inadmissíveis em uma democracia”.
Após o discurso de Cármen Lúcia, Rosa Weber retomou a palavra e afirmou que a colega de plenário conta com o apoio da Corte – e que o STF continuará na defesa do estado democrático de direito.
“Vossa Excelência é um expoente dessa Suprema Corte, é uma estrela de primeira grandeza, não só da magistratura constitucional, como do magistério jurídico da academia e cidadã de primeira linha”, disse.
Decano da Corte, o ministro Gilmar Mendes também discursou em apoio a Cármen Lúcia, em nome do plenário. E disse ser uma “sorte” poder contar com a magistrada no tribunal.
“A República sobreviverá. Porque a República é mulher. E que bom que temos a honra, alegria e satisfação de contar, neste caminho, com a eminente ministra Cármen Lúcia”, disse.
Sem citar Roberto Jefferson, Gilmar Mendes disse que “um magistrado não é acometido de alegria ao sentenciar um cidadão à pena privativa de liberdade”. “Ao magistrado cabe cumprir seu papel”, declarou.
“A ciência de nosso papel no mundo possui um efeito quase que “terapêutico” quando nos defrontamos com um corvo e seus crocitos de mau agouro”, continuou. “Diante de nós, não faltam corvos a crocitar. Em alguns momentos, a sordidez moral é tamanha que não é tarefa simples vislumbrar quaisquer aspectos positivos.”
Mendes também citou o que chamou de “recrudescimento do populismo autoritário em escala global” e disse que “estratégias de ódio e discursos sectários de radicalização política, amplificados por uma máquina de desinformação, têm comprometido o debate público, colocando em risco garantias individuais”.
“Nessa realidade paralela, os que militam por ditadura apresentam-se como defensores da liberdade. Como uma mentira dita mil vezes começa a assumir tons de verdade, qualquer decisão do Tribunal que busque proteger o Estado Democrático de Direito passa a ser descrita, histericamente, como um abuso. É assim que o Poder Judiciário, um poder desarmado, consegue ser pintado como ‘golpista’, afirmou.