As sanções econômicas e políticas impostas ao Brasil pelo presidente americano Donald Trump instauram o pior momento nas relações diplomáticas entre os países desde a ditadura militar brasileira, afirmam especialistas.
Adotando a perspectiva da política interna, a capacidade de negociação do presidente Lula mostrará se o governo vai conseguir manter o ambiente favorável até as eleições, com a retórica da soberania nacional. Ao mesmo tempo, os efeitos econômicos e a intransigência de Trump podem deixar o Planalto em uma situação delicada.
Nesse cenário, a insatisfação popular só aumentaria. Professor de ciência política da USP (Universidade de São Paulo), José Álvaro Moisés diz que a opção de Lula por negociar está de acordo com seu perfil conciliador. “Se existe um debate hoje sobre ligar ou não ligar para Trump, isso mostra que Lula vai querer negociar. Mas ele vai querer discutir nos termos dele, e não se deixar humilhar como ocorreu com Zelenski”, afirma Moisés, referindo-se ao bate-boca entre o presidente dos EUA e o líder da Ucrânia, em Washington, no início do ano.
“Trump já fez um favor ao projeto de reeleição de Lula. Agora Lula pode mostrar que a família Bolsonaro depende de uma figura externa a ponto de aceitar prejuízos ao país. Essa aliança Bolsonaro-Trump pode afetar o Brasil de uma maneira negativa, e eles não vão estar nem aí.”
Nessa negociação, uma das prioridades do governo, afirma o cientista político, é ter mais clareza sobre o motivo das sanções, além da suposta perseguição ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), hoje réu no STF (Supremo Tribunal Federal) pela trama golpista de 2022.
Moisés lembrou, por exemplo, a manifestação feita pelo encarregado de negócios da Embaixada dos EUA, Gabriel Escobar, sobre o interesse que a Casa Branca tem em explorar as terras raras brasileiras. O Brasil tem a segunda maior reserva do mundo desses minerais, importantes para o setor tecnológico.
“A ingerência de Trump mostra que ele pertence a uma facção política e ideológica que não tem nenhum respeito às regras conquistadas, depois de guerras”, diz Moisés, acrescentando que suas sanções se inscrevem num contexto de recessão democrática pelo mundo. “Líderes autoritários costumam mirar sempre o Poder Judiciário.”
Nesta semana, Trump assinou o decreto que implementou uma sobretaxa de 40% às mercadorias brasileiras e elevou o valor total para 50%. Mesmo que tenha poupado quase 700 produtos, o café e a carne foram algumas das exportações incluídas no tarifaço.
Em paralelo, a maioria dos ministros do STF está proibida de entrar em território americano. Conforme anunciado na quarta (30), Alexandre de Moraes foi punido com a Lei Magnitsky, sanção financeira contra corruptos ou pessoas que tenham atentado contra os direitos humanos. As relações diplomáticas entre ambos os países duram 200 anos. Com a transferência da Corte portuguesa para o Brasil, os EUA foram a primeira nação a estabelecer, em 1815, um consulado por aqui, no Recife.
Mais tarde, também foram ágeis no reconhecimento da Independência do Brasil. No sentido inverso, o Brasil foi o único país da América do Sul a enviar tropas para a Segunda Guerra Mundial, o que iniciou uma parceria entre os dois Exércitos.
Mesmo que os EUA não admitam até hoje, um ponto de inflexão ocorreu na ditadura, quando os americanos apoiaram o golpe de 1964.
Para Carlos Poggio, professor de relações internacionais da PUC-SP, a crise atual é a mais aguda desde a redemocratização e não pode ser comparada com o episódio de espionagem da então presidente Dilma Rousseff (PT), durante o segundo mandato de Barack Obama, em 2013.
“Estamos no pior momento das relações entre os países”, diz Poggio. “O Brasil ficou numa situação muito complicada. O Itamaraty precisa continuar tentando negociar, buscando saber o que querem os EUA, se é comercial ou político. Sabemos que aplicar sanções não traz efeitos positivos”, conta Poggio, acrescentando que a popularidade de Lula pode crescer, mas que, visando a eleição, tudo dependerá de sua capacidade de negociar.
“Lula pode se colocar como um líder, mas a comunidade internacional anda muito amedrontada com a ofensiva de Trump.”
Gustavo Zeitel/Folhapress