Há tempos os pesquisadores investigam os efeitos da meditação sobre o corpo e a mente, mas apenas recentemente eles se voltaram para os impactos da prática no processo de ensino e aprendizagem. É um campo recente de investigações, mas, a julgar pelas evidências já geradas, é possível que a meditação se torne uma aliada importante dos educadores. Estudo conduzido na Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) mostrou que o ato de permanecer focado em silêncio melhora a fluência verbal dos alunos e, portanto, pode favorecer a aprendizagem.
O levantamento foi feito no 2º semestre de 2014 e envolveu 60 crianças do 5º ano do ensino fundamental (média de 10 anos) de uma escola pública do Sul do país. Foi criado um grupo experimental, com 23 participantes, e outro de controle, com 37. No primeiro, foram realizadas práticas de meditação coletiva conduzidas diariamente pelos professores por um período de seis meses. Ao final, todos foram submetidos a tarefas de fluência verbal livre, fonêmico-ortográficas e semânticas e os estudantes do grupo experimental tiveram desempenho superior.
Além dessa pesquisa, outras conduzidas em instituições de referência nos Estados Unidos apontaram que a meditação aplicada a alunos do ensino fundamental e médio ajuda a desenvolver a criatividade e a habilidade de abstração; aprimora a concentração; diminui o estresse e melhora o convívio entre colegas e com familiares.
Aqui no Brasil, a prática meditativa em sala de aula, em qualquer um dos níveis educacionais, ainda é restrita a algumas iniciativas isoladas. Mas, na última década, principalmente nos últimos cinco anos, o aumento de escolas que oferecem a atividade aos seus alunos cresce a despeito da ausência de políticas públicas governamentais para esse fim.
“Em 2014, nosso programa de meditação era oferecido a 13 escolas públicas de Porto Alegre. Neste ano, tudo se transformou completamente. Até junho, fizemos contato com 294 escolas públicas e particulares no país”, conta Anmol Arora, fundadora da ONG Mahatma. Atualmente, de acordo com seu levantamento, o programa de meditação da instituição alcança 27 mil estudantes no Brasil, prioritariamente, e em alguns países da América do Sul e da Europa.
Prática simples
A prática difundida por ela consiste em alguns segundos de relaxamento e concentração na respiração. Depois dessa fase as crianças repetem, mentalmente, cinco frases num intervalo de até 15 minutos (os menores podem fazer essa repetição em voz alta). Pode-se fazer a prática sentando numa cadeira, no chão de forma confortável (não necessariamente em lótus, posição meditativa tradicional), deitado ou em pé. As frases repetidas pelos alunos são: “eu estou em paz”, “minha família e meus amigos estão em paz”, “minha escola está em paz”, “meu bairro está em paz” e “minha cidade está em paz”. “Por essa técnica, as crianças desenvolvem a empatia, diminuem a impulsividade, ficam mais concentradas e fortalecem o sentido de responsabilidade”, comenta.
Anmol é exemplo de adulto que começou a meditar ainda criança, por volta dos 10 anos de idade. “Morávamos em Nova Délhi. Minha mãe me levava para meditar muito cedo; saíamos antes de o sol nascer. Pegávamos um trem lotado e íamos. Tinha muito sono. Não gostava nada daquilo tudo.” Com o tempo, deixou a prática de lado e só retomou mais de 20 anos depois, ao passar por algumas dificuldades pessoais. “Após um quadro de depressão, retomei a meditação. A partir daí, melhorei e mudei minha vida.” Entre essas mudanças, diminuiu sua prática clínica como psicóloga e partiu para a realização de trabalhos por meio de ONGs.
A fundadora credita ao pai, o professor Harbans Lal Arora, a utilização de mentalizações de cultura da paz como base da técnica que utiliza. Ph.D. em física quântica pela Universidade de Waterloo, do Canadá, Arora se aposentou como professor titular da Universidade Federal do Ceará e hoje desenvolve trabalhos ligados às mais diversas áreas e assuntos, incluindo educação, desenvolvimento humano, ciência, espiritualidade e física quântica. “Por princípios da física quântica, tudo tem uma reverberação. O cérebro não é diferente. Mentalizando o positivo é possível ‘construir’ um cérebro com pensamentos mais positivos, que gerem atitudes mais positivas.”
Redução do estresse
Foi exatamente pensando na redução do estresse que a professora de educação física Rosângela Martins dos Santos introduziu em suas aulas, na Escola Desdobrada Municipal Lupércio Belarmino da Silva, no interior de Santa Catarina, a prática de meditação para alunos de 6 a 9 anos. “O objetivo foi reduzir a agitação deles e o estresse”, conta.
Seus alunos sentam-se em roda em todo início de aula e repetem, por cinco minutos: “eu estou em paz”. A isso são intercaladas profundas respirações. “Percebi, com o passar do tempo, o aumento da amorosidade entre eles. Eles começaram a pedir mais desculpas, a pedir por licença. Minha relação com eles, inclusive, melhorou”, relata.
Para Rosângela, é muito fácil para as crianças começar a meditar. Elas são menos resistentes quando comparadas aos adultos. “Tudo é um processo lúdico. Há muita brincadeira envolvida nesse aprendizado. Então, não há barreiras. As crianças são naturalmente curiosas, querem aprender.” O principal entrave ainda reside nos pais que, por desconhecimento, confundem o ato de meditar com algo religioso. “Mas, cada vez mais, essa resistência é reduzida. Alguns, incentivados pelos filhos, inclusive passaram a meditar em casa.”
Memória e atenção
Assim como diversos praticantes antigos, Rosângela, que medita há mais de 20 anos, enumera diversos benefícios da prática, entre eles, o aprimoramento da memória, o aumento da atenção, a melhora na capacidade de compreensão dos conteúdos em sala de aula. Tendo vencido ao longo das últimas duas décadas uma série de dificuldades relacionadas à aceitação da técnica nas escolas, a professora hoje acredita ser possível inserir a meditação nas salas de aula em grande escala. “Quem sabe, em breve, possamos refletir sobre sua inserção numa política educacional mais abrangente.”
Não bastasse a meditação, a ioga é outra técnica utilizada pela educadora. Para isso, ela emprega o método Ioga na Educação, criado pela professora francesa Michelina Flak e pelo professor e filósofo suíço Jacques de Coulon. Como objetivo, o método prevê a maior integração da criança na escola. Ele é realizado por meio de sequências de exercícios físicos, respiratórios e mentais. “O exercício cria atmosfera acolhedora. As crianças se divertem e desenvolvem força, coordenação, flexibilidade, equilíbrio, concentração, foco e autoconfiança.”
A meditação
É incerto quando e em que momento surgiu a meditação, mas é no Oriente que se concentra hoje a maioria dos adeptos. Quase todas as religiões orientais têm também alguma prática em seus ritos, daí a associação com a religião. De forma resumida, meditar é uma maneira de se autoconhecer, de silenciar os pensamentos para se conectar com o momento presente, sem julgamentos. Em outras palavras, permanecer no aqui e agora. Por isso, a meditação tornou-se para diversas linhas psicoterápicas um recurso de trabalho.
Já o ato em si de meditar consiste em focar a atenção em alguma coisa, como a respiração, as sensações corporais ou algum estímulo externo, como uma luz ou uma música. Os olhos podem estar abertos ou fechados. É possível fazer a prática coletiva ou individualmente, sentado, em pé ou andando.
Em entrevista publicada em março pelo jornal norte-americano Washington Post, a neurocientista Sara Lazar, do Massachusetts
General Hospital e da Harvard Medical School, assevera, a partir de estudos científicos, que a meditação pode, de fato, gerar alterações cerebrais significativas.
Entre outras constatações, Sara, uma das primeiras cientistas nos Estados Unidos a analisar os efeitos da meditação no cérebro, afirmou que seus praticantes apresentam maior quantidade de matéria cinzenta em áreas do cérebro relacionadas ao córtex auditivo e sensorial. Há, ainda, mais matéria cinzenta no córtex frontal, local associado à memória de trabalho e à tomada de decisões executivas.
Outras diferenças foram notadas nas regiões ligadas à aprendizagem, cognição, memória e regulação emocional, empatia e compaixão, além de uma diminuição da área ligada à ansiedade, medo e estresse em geral. A ciência ocidental aos poucos confirma os benefícios apontados há milênios pelo Oriente. Levar essa condição ao ensino no Brasil ainda está longe de ser unanimidade. Mas o caminho já começou a ser percorrido por alguns.
Fonte Revista da Educação.