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Brasil registra seis casos de trabalho escravo doméstico em um mês

Apenas em julho deste ano, o Brasil teve seis resgates de mulheres sendo submetidas ao trabalho análogo à escravidão doméstico. Apesar de parecer assunto do século retrasado, o país tem visto os números desses casos aumentarem ano após ano. Em 2021, foram 31 pessoas retiradas de situações análogas à escravidão no serviço doméstico, o maior número em um único ano, de acordo com dados do Ministério Público do Trabalho (MPT). Este ano, alguns casos ganharam destaque na mídia, como o da idosa que passou 32 anos nessas condições, em Minas Gerais, e de outra que foi mantida encarcerada por 72 anos, no Rio de Janeiro. Nunca antes os auditores do trabalho tinham feito um resgate em que a pessoa estivesse há tantos anos sendo submetida a serviços degradantes.

Segundo o Ministério do Trabalho, só em julho já foram contabilizadas 38 denúncias, e, em sua maioria, o denunciante faz alguma referência a alguma reportagem. Apesar de grande parte não configurar trabalho escravo e, sim, violações trabalhistas, como explica a procuradora do trabalho do Rio de Janeiro Juliane Mombelli, o aumento mostra como muitas vezes as pessoas não percebem as violações de direitos no serviço doméstico. De acordo com a procuradora, isso mostra muito da cultura brasileira, de pensar que o serviço doméstico não deva ser remunerado. “Dizem que a empregada é quase da família, mas ela não é. Ela é uma trabalhadora como qualquer outra categoria e precisa ter os direitos garantidos”, frisa Juliane.

Segundo ela, nos últimos anos muitas mulheres têm sido retiradas dessa situação pelos órgãos de fiscalização, até mesmo por impacto da PEC das Domésticas, em vigor desde 2015, e por casos que ganharam repercussão nacional, como a de Madalena, resgatada na Bahia, no ano passado. “Uma denúncia acaba levando a outra. As pessoas veem a reportagem e percebem que às vezes uma vizinha está na mesma situação”, completa. Esta também é a avaliação de Márcia Soares, diretora-executiva da Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos. “O que está acontecendo é uma espécie de desnaturalização dessas situações. As pessoas estão tendo mais noção de que precisam denunciar”, afirma.

Resgate não é fácil

De acordo com o chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo da Secretaria de Inspeção do Trabalho (Detrae/MTE), Mauricio Krepsky, esse tipo de resgate depende totalmente das denúncias e, por isso, acaba sendo ainda mais complicado. “O fato de os auditores-fiscais do trabalho terem acesso a qualquer local de trabalho, por disposição legal, esbarra na inviolabilidade de domicílio prevista na Constituição. Em alguns casos, é necessária uma autorização judicial para ingressar na residência”, explica.

Segundo Vanessa Sampaio, gerente da área de Empoderamento Econômico na ONU Mulheres Brasil, por isso as denúncias são o principal meio de combate a este crime. “O ambiente familiar não pode ser violado, e isso torna a fiscalização ainda mais difícil. Por isso é importante valorizar as associações e fazer campanhas de conscientização”, destaca.

Um crime nada moderno

Apesar de a escravidão moderna não ser o mesmo que a escravidão vivida no Brasil por 300 anos, ela ainda guarda resquícios desse período, como a própria cor da pele. Dos resgatados em situações análogas à escravidão, 60% eram autodeclarados pretos ou mestiços. “Tem uma questão de racismo estrutural. A grande maioria dos trabalhadores domésticos são mulheres e cerca de 60%, negras”, destaca Juliane.