O pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, Eduardo Cappocchi discute em sua dissertação de mestrado, Avaliações em larga escala e políticas de responsabilização na educação: evidências de implicações indesejadas no Brasil, um dado alarmante para o sistema de avaliações escolares do Brasil. De acordo com ele, há um conjunto de políticas de incentivo às escolas para que elas permaneçam em suas posições nos rankings de avaliação do ensino brasileiro que vão desde o aumento salarial de professores até fraudes nas provas para alcançar o objetivo.
Entretanto, esse não é um recurso adotado exclusivamente pelo País. O procedimento de bonificar instituições de ensino por resultado em avaliações de larga escala é antigo. Já na Inglaterra do século XIX, os professores eram gratificados por quanto o aluno aprendesse, mas os resultados foram desastrosos. Quando, em meados dos anos 1980, os EUA renasceram essa ideia, houve a criação de políticas públicas específicas que visavam a premiação das escolas que batiam as metas, radicalizando o processo. “Um jeito pragmático foi vincular uma bonificação material às escolas. Se não melhorasse ou se caísse o desempenho, destituíam-se professores, diretores e, em casos limites, as escolas eram fechadas”, conta Eduardo Cappocchi.
Ele apresenta em seu trabalho o que chama de “efeitos colaterais” dessa política no sistema educacional brasileiro com base nos dados fornecidos pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas) sobre a Prova Brasil, avaliação aplicada às escolas públicas. Estas avaliações funcionam da seguinte maneira: é aplicada uma prova com questões de português e matemática aos alunos do 5º e 9º ano do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio, sendo elas distribuídas em 21 cadernos distintos com o nome do aluno impresso na capa.
A falha desse sistema de avaliação já começa pela mínima contemplação das disciplinas. “Se você testar somente português e matemática, ocorre um fenômeno que se chama estreitamento curricular”, aponta Cappocchi. O pesquisador diz que as matérias que não são contempladas pelo Ideb são ignoradas pelas escolas, que preferem alocar o orçamento recebido no reforço de corpo docente das matérias que lá aparecem.
Mas, as outras variáveis não levadas em consideração pelos criadores das avaliações são as mais relevantes para Cappocchi. A principal delas é a manipulação do sistema para que as escolas continuem a receber as bonificações. O pesquisador a divide em dois grupos: as “fraudes ingênuas” e a subtração de alunos por seu histórico escolar.
Baseado nos dados do Inep, Eduardo refez as curvas de notas individuais dos alunos e percebeu que seu conjunto não resultou em uma curva normal como era esperado, mas sim, houve o desaparecimento do início da curva, indicando a retirada das notas mais baixas que seriam dos alunos subtraídos dos testes. O pesquisador afirma que as escolas usam de diversas artimanhas para conseguir que esses alunos faltem no dia em que as provas são aplicadas como o chamado “dia do Hopi Hari” ou o “jogo de futebol inesperado”.
Já as “fraudes ingênuas” ocorrem pela falha durante a aplicação das provas. Cappocchi diz que os professores, pressionados por múltiplos fatores, aproveitam a distração dos aplicadores, pegam uma das provas e repassam o gabarito para que os alunos copiem. “O que os professores não sabem é que as provas são diferentes”, diz. Outro mecanismo de fraude utilizado é a “cola”. Um aluno é selecionado e o professor permite que o resto da classe copie as respostas dele sem nenhuma repreensão.
O pesquisador afirma que a causa principal para que haja essas fraudes é a pressão que as escolas recebem para manterem seu lugar dentro do ranking, ou subirem, e, assim, continuarem a receber bonificações do governo. “Associei o contexto de cada escola com as fraudes: onde havia mais pressão, existiam mais fraudes. Por exemplo, quem tirou um Ideb baixo na avaliação anterior, fraudou mais. Quem recebe bônus, fraudou mais do que quem não recebe”, avalia Cappocchi com base em sua pesquisa.
E o número de fraudes nessas avaliações sofreu um salto considerável entre os anos de 2013 e 2015, cuja causa está na mudança do edital da Prova Brasil nesse período. Houve a obrigatoriedade da participação mínima de 80% da sala de aula no dia da avaliação, o que exclui, aponta Cappocchi, a possibilidade de retirar os alunos menos proficientes. “Se não tiver 80% de participação, não há a publicação do Ideb da escola”, explica. Ainda no ano de 2015, houve a redução do orçamento para a prova. A relação disso com o aumento das fraudes é vista pelo pesquisador pela menor contratação de aplicadores independentes, o que daria margem a maior realização das “fraudes ingênuas”.
Contudo, Cappocchi afirma que a estrutura das avaliações brasileiras é boa. Para ele, o investimento nos professores e a melhora em suas condições de trabalho fariam com que o desvio do ideal da política de responsabilização fosse diminuído. “E para isso não é só dinheiro, mas apoio”, conclui.
Fonte: Agência Universitária de Notícias - AUN USP