BAHIA POLÍTICA

“Eu esperava mais grandeza em uma disputa como esta”. afirma Olivia Santana sobre Rui Costa

“Eu esperava mais grandeza em uma disputa como esta”. Assim a candidata Olívia (PCdoB), em entrevista ao Bahia Notícias nesta terça-feira (3), avaliou o comportamento quase exclusivo de apoio do governador Rui Costa (PT) à candidata do Partido dos Trabalhadores, apesar de sua proposta também integrar a base do petista. Para Olívia, concentrar o capital simbólico e eleitoral do governador a apenas um candidato “é uma perda de oportunidade de estar junto, de chegar junto, de liderar com grandeza todo esse campo”.

Apesar do aparente desapontamento, Olívia diz não se “intimidar”. “Eu estou ali no meio, abrindo meu caminho, metendo o cotovelo e abrindo caminho. Eu acredito que política não pode ser definida apenas por máquina e por dinheiro”, enfatiza.

Sexta candidata à prefeitura de Salvador a passar pela sabatina do Bahia Notícias, Olívia elegeu a “experiência” como uma das principais características necessárias ao novo gestor da capital baiana. Descreve ainda propostas para a educação, a qual compreende como a necessidade de ser “integrada” com o esporte e a cultura, e para a saúde, área que revela interesse em garantir “100% de atenção básica”, além da implementação de um sistema digital que facilite o acesso também a especialidades. Descreve ainda como pretende priorizar a juventude negra, “principal alvo” de seu projeto, em suas palavras.

Durante a entrevista, a candidata ainda falou sobre a tendência que vem se evidenciando no período eleitoral de aproximá-la na candidata petista, Major Denice, como se disputassem o mesmo eleitorado e fosse permeadas por similaridades. Para Olívia, esse é um traço do racismo. “Para sustentar o sistema é preciso restringir os nossos espaços. Eu tenho respeito a Major Denice, mas o fato de sermos duas mulheres negras não significa que somos a mesma pessoa ou que somos iguais”, destaca.

“Essa questão de querer espelhar, e vejo que a campanha até faz isso, esses truques de marketing que alimentam essa ideia exatamente para confundir. Acho isso desonesto porque penso que eleição a gente tem que apostar bastante na verdade. Cada um capitalizar o seu quinhão a sua trajetória real, a sua história de vida e suas propostas. Jogar na confusão é alimentar a fogueira do racismo”, completa.

O que esperar do próximo gestor ou gestora de Salvador para lidar com as consequências da pandemia, sejam elas sociais ou econômicas?

Primeiro, experiência. Considero que a próxima gestora da cidade tem que ter experiência política, capacidade de dialogar com o Legislativo, capacidade de articular a bancada de deputados federais, estaduais, dialogar a Câmara de Vereadores. Nós temos que pactuar uma agenda de retomada econômica. Eu particularmente defendo e tem lá no meu programa a instituição imediata de um grande programa de microcrédito em Salvador que possa injetar recursos nos microempreendimentos, porque a micro e a pequena empresa é o setor que mais emprega. É muito importante fazer ações na prefeitura, política pública que possa oxigenar o ambiente econômico, fazer investimento, sim. A gente tem pouco recurso, mas é preciso saber usar com melhores prioridades. Então, reconheço, considero que nosso programa ‘Favela Importa’ é muito importante, pois além de integrar as políticas de infraestrutura, é um programa que vai oxigenar a área de construção civil. Abrir postos de trabalho, reconstruindo pelo menos parte dessa cidade tão desigual, tão absurda. Cheguei em Bate Coração e disse, meu Deus, como é que todo mundo sabe da existência de Bate Coração, uma favela terrivelmente desestruturada, e a gente não tem uma ação de reestrutura, requalificação de moradia para valer, abrir reservatórios de água nos bairros, porque a maioria dos bairros sofre com a falta de água porque não tem reservatório. Nós temos essa política. Tenho certeza que ela significa investimentos, significa geração de empregos e renda.

Olívia, quais são os principais gargalos que o próximo prefeito ou prefeita de Salvador terá que enfrentar?

Eu penso que é enfrentamento ao desemprego. Salvador é uma cidade com quase 18% de sua população economicamente ativa desempregada. Essas pessoas precisam de uma política que enfrente isso. É claro que eu sei que é a macroeconomia quem gera postos de trabalho. A gente tem um governo federal que é uma lástima, que não investe, e se os governos retraem, não fazem investimento, a área privada também retrai e não investe. Como é que vai ter retomada econômica? Não é possível. Eu penso que nós temos que lutar pela mudança da política econômica do Paulo Guedes, mas também fazer uma agenda própria municipal que oxigene o ambiente de negócios, invista na economia criativa, possa apostar na inteligência do nosso povo. Eu sempre gosto de citar o caso do pólo têxtil de Salvador, que reúne 22 empresas e investimento inicial de R$ 8 milhões pelo governo do Estado na época de Wagner. Eu acompanhei aquela experiência, sou pela relação com todos os 22 empresários ali e os caras conseguiram fazer uma coisa incrível no setor de vestuário e hoje empregam, mesmo na crise, mais de 700 pessoas. Empresário de Salvador, profissionais recrutados na cidade, principalmente na Cidade Baixa. Nós precisamos encontrar saída para a crise. É otimizando, dando suporte para os nossos empreendedores da cidade, os arranjos produtivos locais que precisam ser mantidos e multiplicados. Chegar no Subúrbio, botar o ‘Subúrbio Digital’, levar uma escola tecnológica, desconcentrar renda. Acho um absurdo que a prefeitura compre, por exemplo, cestas básicas apenas na mão de um único grande fornecedor. Em um momento de crise você divide, faz uma política de fazer compras com os pequenos produtores porque vai dando a eles a condição de girar seu negócio, que é para não quebrar, não fechar. Não adianta botar tudo na mão do grande porque só está ajudando a fazer concentração de riqueza, concentração de renda. Salvador precisa de um movimento diferente, de descentralização da riqueza para que todo mundo possa ter um lugar ao sol.

Foto: Rebeca Menezes/ Bahia Notícias 

Quais as principais ações que a senhora faria, caso eleita, diferente da atual administração?

Acabei de citar uma. Eu faria uma política de que ‘se a colcha é curta’, eu vou dialogar melhor e investir melhor numa rede de fornecedores, incorporando também os pequenos, os micros, dialogando com o Ministério Público, fazendo uma política com diálogo, com transparência e com democracia. Nós estamos no mesmo mar revolto, mas em barcos diferentes. É preciso entender que o menor precisa de mais apoio e de mais atenção para conseguir atravessar esse momento de pandemia. Eu faria um grande programa de qualificação profissional. O programa de educação de jovens e adultos, na minha gestão, vai ser muito diferente do que está aí. Salvador tem quase 500 mil pessoas, 50 mil delas são analfabetas e 450 mil não concluíram o ensino fundamental. Como é que na era da inteligência artificial, na era em que está discutindo tecnologia 5G… Eu estive na China e fiz impressionada com o padrão de desenvolvimento que os caras têm. E a gente ainda tem esse grau de exclusão em Salvador e não tem nenhuma política de educação de jovens e adultos decente. Eu farei, sim, o programa municipal de educação de jovens e adultos incorporando tecnologia, educação a distância e educação presencial. Fazer um grande mutirão de educação articulado com o IFBA, com a UFBA, com a UNEB. Você tem que fazer um programa que integre as universidades e esses estudantes que estão se formando, professores também contratados para poder enfrentar esse passivo de meio milhão de pessoas. Isso é uma vergonha para uma cidade como Salvador. Aí fica falando porque o turismo, porque isso, porque aquilo outro. Tem que investir em mão de obra, qualificação de mão de obras, na educação do povo. Quando a gente cuida do nosso povo, até os turistas vem mais para cá porque quer conhecer essa cidade de oportunidades. E  saúde, que eu também investirei para ampliar a cobertura de atenção básica para 100%, integrar a rede primária com a rede especializada e implantar em Salvador, pela primeira vez, o prontuário eletrônico. Quando a pessoa vai, é atendida no posto e precisa de um especialista já tem um prontuário eletrônico dela. Também já vai sair com a sua consulta marcada. Não vai sair com um papel na mão dizendo procure um cardiologista e a pessoa penando sem conseguir e depois vai morrer na fila da regulação. É isso que acontece em Salvador. A maioria preta, pobre, branco pobre, então, é tratada como descartável.

Nós temos em Salvador, maior cidade negra fora da África, uma questão de exclusão histórica. O passado de Salvador e o presente excluem a juventude negra principalmente, que é talvez o grande alvo das mazelas sociais do Estado brasileiro como um todo. Quais são as políticas voltadas especificamente para a juventude negra que a senhora pretende desenvolver caso seja eleita?

Esse é meu alvo principal, a juventude negra. Eu sou resultado da escola pública. Nunca estudei em escola particular. A educação transformou a minha vida e, portanto, eu vou apostar na educação para transformar a vida dessa juventude. Eu vou pegar meus adolescentes. Eu sou professora, pedagoga, sempre trabalhei com criança e adolescente. Eu fico animada, emocionada só de falar. O que eu vou implantar é a educação integral. Não é só de tempo integral, é educação integral com esporte, com cultura. Precisamos entender que arte é elemento civilizatório. Nós temos que garantir o esporte na escola. Garantir que essas ações integradas elas possam ser alternativas concretas para a nossa juventude. Nós vamos implantar o programa ‘Dever de Casa’. A gente vê que a maior faixa de evasão é exatamente no ensino fundamental II, onde estão os adolescentes. Por que eles evadem? Muitos evadem para trabalhar, outros porque vão perdendo o significado, o senso de pertencimento com a escola e porque a pessoa chega em casa e os deveres, a mãe não sabe ensinar, o pai não sabe ensinar. Muitos são partes desse exército que não estudou, que não teve oportunidade de estudar e não consegue acompanhar as atividades escolares. Como é que ninguém enxerga isso? Eu vou fazer o programa municipal de tutoria dentro do programa de educação integrada para essa juventude. Nós vamos, assim como eu falei no ‘Subúrbio Digital’. É botar essa meninada do Subúrbio nos centros de educação, de robótica, de novas tecnologias. Nós temos que democratizar as tecnologias. Tecnologia não pode ser visto como patrimônio de poucos, que é um luxo. A tecnologia tem que estar a serviço enfrentamento ás desigualdades. Quando eu falo do programa de jovens e adultos eu falo porque sei da importância que é colocar esses jovens para fazer qualificação profissional, dialogando com Senai/Cimatec, trazendo experiências concretas de formação. Quando os meninos e as meninas veem que tem investimento público real, ninguém sai da escola, não. Ninguém vai buscar outro caminho. Vai apostar naquilo ali. Eu lutei pelas cotas. Eu fui uma das grandes, junto com todo o coletivo, liderança da luta pelas cotas porque eu sabia que era importante. Olha a universidade pública hoje como ela mudou a configuração e eu tenho o maior orgulho. Eu dormi em Brasília, fiquei naquela vigília do STF quando o DEM, o partido do prefeito, entrou com uma ação para poder derrubar a política de cotas. Porque eles querem a universidade para eles. Eles querem que a negrada carregue a pedra, o saco de cimento, construa o prédio, mas não sente para estudar. ACM Neto, que é um prefeito, que é jovem até, deveria ter tido a sensibilidade de lutar lá atrás pelas cotas em 2012. Foi um horror aquele partido dele, e ainda colocou o cara que negro para fazer artigo para me atacar porque eu estava defendendo as cotas, mas a gente venceu todos eles. Hoje você olha a universidade, olhe quantas meninas negras, quantos meninos negros. Educação é oportunidade e esse será um dos grandes legados, grandes marcas da minha gestão na prefeitura de Salvador.

Semana passada nós entrevistamos outro candidato aqui no BN e ele falou sobre a pressão de estar entre dois grupos políticos, o grupo do prefeito ACM Neto (DEM), que tem a candidatura do Bruno Reis (DEM), e o grupo do governador Rui Costa (PT), que apesar de ter múltiplas candidaturas, tem estado muito mais presente, muito mais participativo na campanha da Major Denice (PT). A senhora também se sente pressionada entre esses dois titãs política baiana? Isso de alguma forma atrapalha o desenvolvimento da campanha da senhora?

Eu esperava mais grandeza em uma disputa como esta. Nós somos de um grande bloco político, o governador Rui Costa, que eu tenho um profundo respeito, conheço a trajetória de Rui, mas tenho o entendimento que Rui só é governador porque ele contou com nosso apoio, contou com o apoio de um bloco de forças de partidos. O sucesso do governo Rui Costa é o sucesso deste bloco de forças não pode ser apropriado por apenas um partido, ainda que seja o partido do governador, que é o Partido dos Trabalhadores. Eu acho que é uma perda de oportunidade de estar junto, de chegar junto, de liderar com grandeza todo esse campo. Mas eu não me intimido com essas coisas. Eu já passei por tanto barril na minha vida. Eu sobrevivi à favela, à miséria, à fome, à tudo que não presta. Eu venho de uma família de oito irmãos. Cinco se foram porque não conseguiram sobreviver a tudo isso que a gente passou na nova vida. Para mim, está em uma disputa dessa, quando eu falo dos meus irmãos eu me sinto [emocionada]… Está em uma disputa dessa, entre dois titãs, é ACM Neto endinheirado, dono de um conglomerado de comunicação. A campanha do candidato dele é a segunda em termos de investimento financeiro. Do outro lado a máquina do governo, poderosa. E eu estou ali no meio, abrindo meu caminho, metendo o cotovelo e abrindo caminho. Eu acredito que política não pode ser definida apenas por máquina e por dinheiro. O 65, que é o meu partido, o PCdoB, é um partido que tem projeto, tem uma história, que uma trajetória, que eu sempre agradeço a coragem do PCdoB de dizer ‘vamos aqui Olívia, nós vamos apostar em você, vamos financiar sua candidatura. O dinheiro que a gente tem é pequeno, é pouco, do nosso fundo partidário’. O partido foi lá, me incluiu no bloco nacional de investimentos em candidatura e eu estou aqui feliz fazendo minha campanha. É desigual. Só tenho um minuto e dez de tempo de televisão, mas eu estou dizendo aquilo que eu de fato acredito. A minha campanha tem a marca da verdade. Tem a marca da experiência, tanto no Legislativo, no Executivo, como nos movimentos sociais. Eu não entrei em partido para ser candidata de última hora e não entendo a disputa eleitoral como escolinha de formação de quadros. A gente está no meio de uma pandemia, com a cidade que é marcada por uma segregação estrutural, crônica, aí eu vou agora bancar a candidatura, entrar no partido somente para ser candidata? Pelo amor de Deus. Eu tenho mais de 30 anos de militância. É nisso que eu acredito. Respeito todos os candidatos, os adversários, mas eu também tenho uma autoestima elevada, porque o movimento negro me ensinou a acreditar em mim, a ter confiança e apostar na coletividade. Tem gente que quer outra coisa para Salvador, outro caminho para salvador. E é nessas pessoas que eu me apoio, que eu me sustento e que eu sei que essas pessoas vão nos levar ao Palácio Thomé de Souza. Estou muito confiante nisso.

Foto: Rebeca Menezes/ Bahia Notícias

A gente teve uma discussão recente aqui na própria redação do BN por perceber que há uma insistência muito grande em comparar a candidatura da senhora com a da Major Denice, por serem duas mulheres negras que estão disputando o mesmo espaço de poder, mas são projetos diferentes. Ainda assim, há uma insistência massiva em dizer que vocês disputam o mesmo eleitorado, disputam o mesmo segmento. Há racismo estrutural nesse processo?

Com certeza. Para sustentar o sistema é preciso restringir os nossos espaços. Eu tenho respeito a Major Denice, mas o fato de sermos duas mulheres negras não significa que somos a mesma pessoa ou que somos iguais. Eu mesma não acho que Celsinho Cotrim é igual a João Carlos Bacelar. Não acho que por serem brancos são as mesmas pessoas ou só vão atingir o mesmo eleitorado. Então, os brancos são diversos, reconhecidos como universais. Quando chegam candidaturas negras, e é a primeira vez que isso acontece na história de Salvador, de duas mulheres negras, as pessoas ficam insistindo ‘mas vocês são iguais’. Não somos iguais. Denice tem uma história. É uma policial, construiu uma história de vida, a carreira dela na Polícia Militar. Eu sou uma pedagoga, uma professora, construí minha história de vida no movimento negro, no movimento feminista. Não de agora. De um tempo que não tinha rede social, que não tinha hashtag sou preta. Um tempo em que a gente foi desbravando com a unha. Nós chegamos até aqui com a experiência que é completamente diferente da experiência de Denice. Essa questão de querer espelhar, e vejo que a campanha até faz isso, esses truques de marketing que alimentam essa ideia exatamente para confundir. Acho isso desonesto porque penso que eleição a gente tem que apostar bastante na verdade. Cada um capitalizar o seu quinhão a sua trajetória real, a sua história de vida e suas propostas. Jogar na confusão é alimentar a fogueira do racismo. Eu levei muito tempo as pessoas achando que eu era Célia Sacramento. Célia foi a vice de Neto. Eu fui vice de Pelegrino. Vamos separar. Pessoas negras são diferentes. É preciso prestar atenção nisso. Alimentar essa coisa de dizer que tudo é igual também é racismo. A gente tem que aprender a enxergar as singularidades das trajetórias, da história e da aparência física de cada uma e de cada um.

No começo a senhora falou da ‘prefeita preta perfeita’, que é uma brincadeira que a campanha tem feito nas redes sociais e a campanha de Olívia Santana é quem tem, na avaliação da equipe do BN, utilizando de uma maneira bem mais progressista as redes sociais. De onde partiu essa inspiração para usar melhor das tecnologias dentro do processo de campanha?

Tem muitos jovens comigo e eles vão chegando. Tem um grupo de jovens que tem se integrado e criado coisas. Quando eu vejo já está lá. Essa coisa do TikTok foi Lia, Lorena, Caio, tem uma turma que vai chegando, vai inventando. É uma oficina militante que vai entrando e eu vou agregando essa turma e dando lugar de fala para essa juventude que chega. Ela chega porque se identifica. Eu tenho um exército de jovens que desce a pirambeira comigo nesses bairros populares. É uma galera. A gente usa muito as redes sociais. Eu adoro o Instagram. É uma rede que eu particularmente me identifico mais que o Facebook. Eu venho usando o Instagram não agora somente para a campanha. Eu gosto mesmo. A maioria das coisas sou eu mesma que posto e agora com o acirramento da campanha essa turma mais jovem assumiu mesmo o comando das redes sociais.

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