BOMBEIRO BRASIL

‘Todas as barragens de rejeito são perigosas’, diz superintendente do Ibama em Minas

Ao longo do ano passado, avisos de que havia risco de rompimento de barragens, incluída a de Córrego do Feijão, não faltaram nas reuniões da Câmara de Atividades Minerárias do governo de Minas Gerais. Vieram do superintende do Ibama no estado, Julio Cesar Dutra Grillo. Desaguaram na tragédia de Brumadinho.

Na última, em 11 de dezembro de 2018, quando foi aprovada a demanda para continuação das atividades da Mina de Córrego do Feijão, ele se absteve por considerar que a questão do rebaixamento do lençol freático não teria sido suficientemente explicada pela mineradora. Ao votar favoravelmente à mina, o superintende de Projetos Prioritários da secretaria de meio ambiente mineira (Suppri/Semad), Rodrigo Ribas, assegurou “estamos tranquilos tanto pelo ponto de vista jurídico quanto do ponto de vista técnico pelas decisões que tomamos”. Grillo não viu e ainda não vê motivo para tranquilidade alguma.

Qual o maior risco das barragens de rejeito?

O processo construtivo (de uma barragem) não é seguro e elas têm alto potencial de dano. Não se pode dizer que o risco é pequeno porque ele nunca é.

As barragens a montante são as mais perigosas?

Todas as barragens de rejeito são perigosas. As estatísticas do Comitê Internacional de Barragens de Grande Porte mostram que as de montante causam 37% dos rompimentos; as a jusante, 11,5%; de centro, 4,7%. Outros 46,8% são por causas indeterminadas. Todas são perigosas, mas há solução para elas a não ser o seu fim.

O que se deve fazer?

Descomissionar todas as barragens de rejeito. Mas não apenas parar de colocar rejeito nelas. E sim remover o rejeito e colocar dentro da cava da mina ou usar a disposição com o empilhamento a seco.

Mas as mineradoras dizem que o custo é inviável.

Não é verdade. Ele é viável, mas reduz margens de lucro. Inviáveis são os custos para o restante da economia do Brasil e em vidas humanas.

Que barragens a seu ver são mais perigosas?

Há muitas. Mas a de rejeito de ouro em Paracatu (da canadense Kinross Gold Corporation) tem 475 milhões de metros cúbicos de rejeito com arsênio, cianeto e mercúrio (por comparação, Fundão vazou 43,7 milhões de m3 de rejeito de ferro não tóxico e, Brumadinho, cerca de 12 milhões m3). Se romper, acaba com o Rio São Francisco por um século. O arsênio não se decompõe na natureza. Vai matar a vida até a foz. Não podemos considerar normal perder o São Francisco como já perdemos o Rio Doce. Serão perdidas vidas humanas, a água, a agricultura, a pecuária, a geração de energia, todo o meio ambiente e a transposição. As barragens de Poços de Caldas guardam rejeito da mineração de urânio, estão paradas há anos. Um vazamento afetaria os rios Paraná e Grande, com reflexos para Argentina, Paraguai e Uruguai.

E a barragem Casa de Pedra, da CSN, em Congonhas?

Ela está a 250 metros de casas e 22 mil pessoas começariam a ser atingidas em cerca de 5 minutos. Como podemos aceitar a possibilidade desse tipo de perda?

Por que o Brasil tem tratado a segurança de barragens assim?

Há permissividade. As leis são permissivas. E isso não pode persistir. Há um problema de influência no processo de licenciamento. A barragem de Brumadinho não rompeu só porque era a montante. A sociedade brasileira vê com naturalidade o risco. E aceitou Mariana com naturalidade.

Mesmo que essas barragens colocando em risco mais gente?

Sim. Veja o caso da barragem de rejeito de ouro Mina Engenho (pertencia a Mundo Mineração, controlada por australianos), em Rio Acima, na região metropolitana de Belo Horizonte. Ela está abandonada há anos, a sete quilômetros de distância da barragem de abastecimento de água de Bela Fama. Ela deu problemas em 2018. Se vazar, vai despejar arsênio, cianeto e mercúrio na água que BH consome. E a montante do Rio São Francisco há barragens de mineração com 265 milhões de metros cúbicos de rejeitos. O Brasil perdeu o Doce e vai levar pelo menos 50 anos para tê-lo de volta. Perdeu agora o Paraopeba, ele já foi, morreu. Quer perder o São Francisco também?

O que é preciso?

Precisamos de uma legislação mais rigorosa sobre barragens, tanto ativas quanto inativas. Existem projetos de leis nesse sentido. No centro da questão não estão apenas barragens a montante, isso é cortina de fumaça. Todas são perigosas.