Na quarta-feira (25), Genivaldo, 38, faleceu depois de ser preso por agentes da corporação numa viatura tomada por gás lacrimogêneo.
A avaliação é que o gás lacrimogêneo não é próprio para contenção individual e pode ser letal se utilizado em ambientes fechados –como ocorreu no caso em Sergipe.
Na tarde desta quinta-feira (26), a PRF afastou os policiais que participaram da abordagem.
O presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, destaca que “toda a abordagem foi atabalhoada e fora dos procedimentos”.
“Todos os manuais de segurança falam em uso escalonado da força. Os policiais, no limite, estariam autorizados a usar arma de fogo, seguindo a técnica internacional. Mas jamais o gás lacrimogêneo, que é para uso em massa, [para] distúrbios civis. É um erro técnico. Jamais pode ser usado em local fechado.”
Lima avalia que o fato de os agentes da PRF não terem armas de choque –como demonstra boletim de ocorrência obtido pela Folha– indica um problema institucional que coloca em risco os policiais e a sociedade durante operações. “Se há falta de equipamento, a instituição falha. Não há fornecimento de serviço adequado, e o patrulhamento é prejudicado.”
No boletim, os policiais que participaram da abordagem disseram que empregaram “espargidor de pimenta e gás lacrimogênio” diante de resistência apresentada por Genivaldo, uma vez que essas ferramentas “de menor potencial ofensivo” eram as “únicas disponíveis no momento”.
A doutora e professora do Departamento de Segurança Pública da UFF (Universidade Federal Fluminense) Jacqueline de Oliveira Muniz afirma que o problema é estrutural. Para ela, a falta de protocolos claros sobre métodos de emprego da força, discutidos com a sociedade, faz da PRF uma “instituição amadora”.
“Não há doutrina de uso potencial de força que delimite as capacidades coercitivas e valide os seus procedimentos táticos operacionais. Se não tem doutrina ou protocolo claros, o policial vai agir nas situações no olhômetro”, afirma.
Muniz destaca que apesar de o gás lacrimogêneo ser considerado uma arma menos letal, a forma como os agentes da PRF agiram contra Genivaldo –detendo a vítima dentro do carro com a fumaça– aumenta os riscos de morte. “É uso abusivo da força com risco de morte. Todo mundo que usa granada de efeito moral, gás lacrimogêneo, sabe que ela é tóxica. Neste caso, a granada é uso excessivo de força.”
Protocolos de diferentes órgãos destacam a necessidade de se observar o uso proporcional de armas consideradas de menor potencial ofensivo.
Uma resolução de 2020 da Justiça Federal que regulamenta o porte de armas afirma que o uso desses instrumentos deve seguir os princípios “da legalidade, da moderação, da necessidade, da proporcionalidade, da conveniência e da progressividade”.
Já um documento de 2020 da Cruz Vermelha sobre o uso de armas e equipamentos por policiais reforça essa avaliação.
O manual afirma que gás lacrimogêneo pode ser letal em espaços fechados e recomenda que armas consideradas “menos letais” não sejam usadas “contra indivíduos que não representem ameaça, incluindo os que já tenham sido contidos”.
Segundo o boletim de ocorrência, Genivaldo estava algemado quando foi colocado no porta-malas da viatura. Policiais rodoviários federais ouvidos pela reportagem afirmam, sob condição de anonimato, que não há recomendação de uso de gás lacrimogêneo em espaços fechados.
“Os IMPO [instrumentos de menor potencial ofensivo] poderão ser utilizadas por outros grupos, desde que adquiridas para fins correlacionados às suas atribuições, mediante capacitação específica, sendo sua distribuição e situações de emprego regulamentadas por normativa específica”, diz o documento.
O laudo do IML (Instituto Médico Legal) apontou que Genivaldo sofreu insuficiência respiratória aguda provocada por asfixia mecânica, segundo a Secretaria de Segurança Pública de Sergipe.
Vídeo feito por moradores mostra Genivaldo ainda vivo sendo trancado no porta-malas de um viatura onde os policiais detonaram bomba de gás. Umbaúba fica a 101 km de Aracaju.
No boletim, os policiais admitem que usaram espargidor de pimenta e gás lacrimogêneo, meios descritos por eles como “tecnologias de menor potencial ofensivo”.
Os policiais afirmam ainda que voltaram a usar esses meios quando a vítima já estava no porta-malas, uma vez que, de acordo com a equipe da PRF, a vítima teria resistido a permanecer no compartimento.
De acordo com o relato dos policiais, Santos foi parado pelos agentes da PRF por pilotar uma moto sem capacete. Os policiais contam que o homem se negou a cumprir as ordens de levantar a camisa e colocar as mãos na cabeça, “levantando o nível de suspeita da equipe”.
Após o uso do gás, a PRF alega que Santos teria, conscientemente, se ajeitado na viatura para ser levado à delegacia.
“Durante o trajeto, o conduzido começou a passar mal e [foi] socorrido prontamente. A equipe seguiu rapidamente para o hospital local, onde foram adotados os procedimentos médicos necessários para reanimação, porém, possivelmente devido a um mal súbito, a equipe foi informada que o indivíduo veio a óbito.”
Por nota, a Secretaria de Estado da Segurança Pública de Sergipe informou que Santos chegou ao IML já sem vida, por volta das 18h20. O instituto também informou que a asfixia mecânica ocorre por obstrução de ar dos pulmões causada por agente externo. A Polícia Federal abriu um inquérito para investigar o caso.
Por: Folhapress