Meio Ambiente

Como aumento da temperatura pode matar peixes e causar fome na Amazônia

As pesquisas do biólogo Adalberto Luis Val permitiram entender melhor como os peixes e outros organismos aquáticos da Amazônia vivem, se reproduzem e morrem.

O trabalho dele explora como essas espécies foram capazes de se adaptar a condições extremas — como a baixa disponibilidade de oxigênio e a acidez intensa — ao longo dos milhões de anos de evolução do planeta.

Os estudos também ajudaram a compreender como as últimas décadas submeteram toda essa biodiversidade a um estresse nunca antes visto, com o despejo de minérios, plásticos e metais pesados em rios e igarapés.

E tudo isso representa um risco enorme: o aumento de 1,5 °C na temperatura já seria suficiente para extinguir muitos desses seres, que são vitais na dieta da população local.

Val está participando da Conferência sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP27), que acontece em Sharm El-Sheikh, no Egito.

Numa reunião da sociedade civil com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, realizada em 17 de novembro, ele foi um dos seis escolhidos para falar e apresentou as demandas do setor de ciência, pesquisa e desenvolvimento.

Um dos pedidos do biólogo foi que o novo governo crie políticas públicas para “trazer os meninos para casa” — uma alusão aos cientistas brasileiros que fizeram toda a formação no país, mas que foram trabalhar no exterior em busca de melhores condições de vida.

Numa entrevista à BBC News Brasil, Val contou um pouco sobre suas pesquisas, falou da importância de conhecer os saberes tradicionais amazônicos e apontou o caminho para incentivar a pesquisa no país.

Muitas mudanças em pouco tempo

Embora várias dessas espécies aquáticas tenham aprendido a se adaptar a ambientes extremos ao longo de centenas de milhares de anos, elas nunca foram submetidas a uma situação tão complicada, acredita Val.

Por trás disso, está a ação humana e a destruição dos rios que correm pela região.

“É possível observar um conjunto de outras modificações produzidas pelo homem de forma rápida e imediata, como a poluição de tudo que é tipo, com medicamentos, agrotóxicos, nanopartículas de plástico, petróleo…”, lista.

“Tudo isso nos preocupa muito, porque as alterações causadas pelo homem são rápidas demais e não dá tempo de as espécies aquáticas se adaptarem”, diz.

A distribuição de uma fina camada de petróleo na superfície da água, por exemplo, impede que os tambaquis acessem o oxigênio que os mantêm vivos.

“Estamos concluindo vários estudos que detectaram a presença de microplásticos nos peixes, inclusive com uma transferência direta desse material da mãe para os filhos”, informa.

“Uma proteína nos óvulos dos peixes se liga às moléculas de plástico, então o filhote já nasce com essa substância no organismo.”

Além de representar um risco à biodiversidade da Amazônia, a extinção de espécies é um perigo à segurança alimentar do povo que vive ali.

“Vale lembrar que 90% da proteína consumida pela população local tem origem nos peixes. Trata-se de uma coisa extremamente importante para a região”, chama a atenção.

Val alerta que, apesar do clima local, os peixes amazônicos são extremamente vulneráveis à variação da temperatura.

“Muitos deles já vivem no limite térmico superior e qualquer variação futura pode levar ao desaparecimento de várias espécies”, diz.