JUAZEIRO

Catar vive do petróleo, do gás e em desigualdade, diz professor

A vista do Golfo Pérsico de quem chega ao aeroporto internacional de Hamad é o cenário de entrada dos turistas no Catar, país que tem os olhos do mundo inteiro a partir deste domingo (20). Ao sediar a Copa do Mundo, o lugar, que tem área menor do que Sergipe e uma população de quase três milhões de pessoas, tem uma economia dependente do petróleo e do gás, e agora busca atrair mais turistas, conforme explica o professor Antônio José Barbosa, pesquisador em história contemporânea da Ásia.

O docente aposentado da Universidade de Brasília (UnB) entende que hoje a marca mais profunda do país é, além do calor, a profunda desigualdade entre ricos e pobres, e a falta de liberdade dos seus cidadãos. “Trata-se de uma ditadura, aliás, como todas as monarquias muçulmanas do Oriente Médio. Não existe eleição e não pode haver partido político funcionando”. Em relação a costumes, as tradições islâmicas devem ser seguidas à risca.

“O maior problema, sobretudo, é em relação à situação de exclusão das mulheres. Para nós, no mundo Ocidental, é inaceitável. A Copa do Mundo não vai alterar as condições internas do Catar. Vai continuar sendo uma ditadura e em grande desigualdade”. O professor contextualiza que o Catar é um dos quatro países mais ricos do mundo e, no entanto, paga-se um salário pequeno para os trabalhadores menos qualificados.

Visibilidade

Barbosa compreende que o país tem se envolvido com o futebol como uma estratégia de gerar visibilidade. “Havia uma consciência que a candidatura a sediar o evento pela primeira vez no Oriente Médio era uma grande jogada de marketing. Aliás o Catar tem investido em futebol. Mas era um país improvável para sediar o evento em função do calor do ano inteiro”. Diferentemente das outras edições, a Fifa viabilizou a Copa em novembro e dezembro, no outono, por ter temperaturas na casa dos 30 graus Celsius (°C). No verão, ultrapassa os 45°C.

Confira abaixo a entrevista com o especialista

Agência Brasil: Quais são as marcas mais importantes do Catar?
Professor Antônio José Barbosa: O Catar é menor do que Sergipe, que é o menor estado brasileiro. Trata-se de um país minúsculo que tem uma única fronteira terrestre que é com a Arábia Saudita. E é um país novo. Oficialmente, surgiu como estado nacional em 1971. É um território originalmente como um protetorado britânico. É diferente daquele tipo de colônia que nós tivemos, por exemplo, no século 19.

Uma área de protetorado tem uma certa autonomia. Enquanto o domínio inglês esteve presente no Catar, as famílias ricas e poderosas não foram atingidas e não perderam os seus privilégios. É como se uma grande potência, no caso, o Reino Unido protegesse aquela área.

Isso está ligado à geopolítica do Oriente Médio que surgiu no fim da Primeira Guerra Mundial. Tudo ali era império turco. Por isso, nós aqui no Brasil chegamos a chamar erroneamente os árabes de turcos. Eles chegavam aqui com o passaporte da Turquia. A Turquia foi derrotada na Primeira Guerra Mundial. Aí as potências vitoriosas, como a Inglaterra e a França, repartem o Oriente Médio entre si. O Reino Unido ficou com uma boa parte dos estados muçulmanos.

Depois da Segunda Guerra Mundial, isso se alterou profundamente. Primeiro porque surgiu o estado de Israel. O Catar, na verdade, sobreviveu apesar do seu território muito pequeno porque é um país riquíssimo em petróleo e em gás natural. Para você ter uma ideia, dessa guerra da Rússia contra o Ucrânia, o país lucrou muito porque é produtor de gás natural e petróleo.

Agência Brasil: Isso se reverte em poder empresarial?
Professor Barbosa: Sim, e como é uma ditadura, essas riquezas são assumidas por uma parcela ínfima da população, normalmente a Dinastia Reinante e as pessoas mais próximas do poder. É um Emirado. Na verdade, nós estamos falando de uma sociedade que é tribal. Essa organização tribal começou a ser alterada com o surgimento dos estados, mas esse fundamento de tribo está culturalmente presente nos países árabes até hoje. O País tem dificuldades com agricultura por causa do território pequeno e do clima.

Agência Brasil: Um país que se mostra mais moderno na arquitetura e também desigual na essência, certo?
Professor Barbosa: É uma espécie de modernidade urbana que não se vê no resto do mundo. Aqueles edifícios altíssimos com arquitetura profundamente moderna e que fizeram surgir as cidades. No deserto, brotou cidades como Doha, a capital.

Nesse sentido, a construção civil gera muitos empregos. Isso não dá sinais que vai parar. Mas há um problema gravíssimo. Menos de 20% da população é nativa. O restante é gente de fora, pessoas muito pobres que vão para lá trabalhar e de países tanto da África quanto da Ásia. As denúncias sobre a situação dos trabalhadores que construíram os estádios têm ganhado visibilidade e a realização da Copa vai ajudar a trazer mais informações sobre isso.

Agência Brasil: A situação das mulheres também é preocupante.
Professor Barbosa: Acontece no Catar algo que é muito comum nos países islâmicos. De uma forma geral, a posição da mulher é de subalternidade absoluta. Mas está havendo reação. Agora, por exemplo, temos visto nesses países corajosíssimas manifestações de mulheres iranianas a partir da morte de uma jovem que estava sob a guarda do estado e ela provavelmente foi torturada e morta. No Catar, a situação da mulher também é de subalternidade absoluta.

Agência Brasil: Em relação ao petróleo, essa produção do petróleo, em larga medida, ocorre desde a formação do estado?
Professor Barbosa: Na verdade, desde quando aquela região era colonizada por ingleses e franceses. O Líbano assinou um acordo histórico com Israel em termos econômicos. A gente está percebendo uma certa movimentação de alguns países árabes e até do próprio Catar com vistas a acordos econômicos, comerciais, científicos e tecnológicos.

Todo mundo sabe que, mais cedo ou mais tarde, o petróleo vai deixar de ser a força motriz da economia global. Quer dizer: há um esforço em várias partes do mundo nesse sentido de energias limpas, como é a eólica e a solar. Isso exige investimento e tecnologia. O petróleo não vai acabar amanhã, mas a tendência é que ele deixe de ser a fonte de energia número um da economia mundial.