Alunos da Universidade Federal da Bahia (Ufba), em Salvador, realizaram um ato contra o professor Paulo Lauro Nascimento Dourado na manhã desta quinta-feira (18), no campus de Ondina. Cerca de 40 pessoas entraram na sala em que ele estava dando aula, gritaram palavras de ordem e exigiram que o docente deixasse o local. O professor não saiu da sala, o que inflou ainda mais os alunos. A situação só foi resolvida três horas depois, às 13h30, quando Paulo Dourado foi embora. Ele é acusado pelos estudantes de ter cometido assédio contra alunas, mas nega todas as acusações.
O protesto teve início às 10h30, quando alunos invadiram a sala do Pavilhão de Aulas da Federação V. Frases de protesto como “a Ufba não é lugar de assediador” e “assediador não pode ser professor” foram proferidas. Paulo Dourado, que também é diretor teatral, chamou as acusações de “absurdas”.
Durante a ação, o professor observou o protesto dos alunos e, visivelmente incomodado, tentou responder às acusações, mas os estudantes não deixaram o docente falar. O protesto só foi encerrado depois que Cláudio Cajaíba, diretor da Escola de Teatro, foi até o local e tentou conter a situação. Às 13h30, Paulo Dourado deixou a sala de aula. Toda a ação foi transmitida ao vivo pelo perfil do Diretório Acadêmico da Escola de Teatro no Instagram. O grupo foi responsável por organizar o ato.
Em 2022, Paulo Dourado chegou a assinar um termo de ajustamento de conduta junto à Unidade Seccional de Correição da Ufba, depois de ter sido acusado de assédio sexual e moral. Alunas dizem que ele proferiu comentários sobre o corpo de uma estudante durante uma aula online.
“Houve uma denúncia de duas alunas e a Ufba fez um processo burocrático muito lento, que só terminou no ano passado. No final do processo, teria que assinar um termo de ajuste de conduta dizendo que, como funcionário público, me obrigo a cumprir as normas de convivência e cordialidade. Eu obviamente assinei e o processo foi extinto”, explicou o professor.
Paulo Dourado nega que tenha assediado a aluna. “Foi uma acusação descabida. Não havia nenhum cabimento de denúncia de assédio sexual e moral, na segunda aula da turma, e ainda por cima online”, completou. Depois que o termo de ajustamento de conduta foi assinado, o professor realizou uma palestra sobre os desafios contemporâneos enfrentados pela universidade.
Em seguida, ele voltou a ministrar disciplinas obrigatórias no currículo dos alunos da Escola de Teatro, o que motivou o protesto desta quinta-feira (18). Atualmente, Paulo Dourado é responsável pela disciplina História do Teatro no Brasil e na Bahia, ofertada para alunos do primeiro semestre. A aluna Clara Romariz estava na aula em que o professor foi acusado de ter cometido assédio e relata o que presenciou.
“Em uma aula online, eu e uma colega estávamos com a câmera ligada. Só o rosto dela estava aparecendo, mas ela levantou para pegar o filho dela, que estava na janela. Quando o corpo dela apareceu, o professor disse ‘assim não dá para prestar atenção na aula’”, contou Clara Romariz, que estava na aula durante o episódio. Segundo ela, o comentário teve teor sexual.
“Ela disse que não entendeu o que ele quis dizer e o professor disse que ela deveria perguntar para os colegas. Ela desligou a câmera. Ficou um clima horroroso. Levamos o caso do assédio ao departamento, que reuniu os alunos para debater a situação”, completou a aluna. Outros estudantes ouvidos pela reportagem dizem que os comentários do professor sobre o corpo das alunas, além de assédio moral, são recorrentes. “Quando alunas estão com roupa de academia ele faz comentários para a sola toda, diz que não consegue se concentrar”, completa Clara.
A Lei nº 10.224/01 caracteriza o assédio sexual como o constrangimento com o intuito de obter vantagem ou favor sexual, quando o agente se utiliza de sua condição de superior hierárquico. Já o assédio moral acontece quando há repetições de gestos e comportamentos que provocam constrangimento e ferem a integridade física ou psíquica de uma pessoa no ambiente de trabalho.
“Esse professor está há décadas na universidade e são diversos os relatos de assédio, inclusive, alunas traumatizadas que trancaram o curso por causa disso. Decidimos organizar o protesto porque entendemos que não dá mais para os alunos deixarem de frequentar a universidade pelo medo de assédio”, disse Louise Ferreira, representante do movimento estudantil.
Cláudio Cajaíba, diretor da Escola de Teatro da Ufba, confirma que alunos deixam de se matricular na disciplina ministrada por Paulo Dourado. “Alguns migraram de turma para não ter que ter aula com o professor, sim, mas, formalmente, ainda não houve novas denúncias contra o professor até agora”, falou, fazendo referência à denúncia de 2022.
A Universidade Federal da Bahia foi questionada sobre o número de processos administrativos abertos contra Paulo Dourado e o teor deles. Em nota, a universidade se limitou a dizer que “está tomando todas as providências cabíveis, conforme as normas institucionais de combate às violências”.
“A Ouvidoria da Ufba está voltada ao atendimento dos/as estudantes que realizaram manifestações, buscando, com a participação da direção da Unidade em questão, as mediações necessárias para garantir, respectivamente, o acesso aos direitos sociais de discentes e docentes, assim como o esclarecimento total das circunstâncias que levaram à manifestação”, disse a universidade. A Unidade Seccional de Correição também foi procurada, mas não se manifestou.
Paulo Dourado caracterizou o protesto dos alunos como uma “militância equivocada”. “Eu sou militante, fui criador do Sindicato dos Artistas da Bahia e atuei em greves famosas da Ufba, na década de 80. Acredito que há uma militância equivocada que é feita com ataques pessoais. Como hoje, em que eles [alunos] se recusaram a me deixar falar. Como é que você vai querer democracia e justiça sem diálogo?”, afirmou.
Outros casos
Esta não é a primeira vez que estudantes da Ufba protestam contra supostos casos de assédio. Em novembro do ano passado, o professor de sociologia Luiz Enrique Vieira de Souza foi demitido após ser relevado que ele enviava mensagens com teor sexual a alunas. Em um dos casos, o professor chegou a oferecer R$5 mil para que uma aluna ficasse com ele.
Em setembro de 2023, outro caso foi noticiado pela mídia. Dessa vez, na Faculdade de Comunicação da Ufba. A professora Jan Alyne foi acusada de transfobia e racismo pela aluna Liz Reis – uma mulher trans. A docente afirma que cometeu um erro ao errar o pronome de tratamento que se referiu a estudante e que se desculpou. Jan Alyne alega ter sido vítima de calúnia e difamação.
Veja a nota completa da Ufba
A Universidade Federal da Bahia foi informada sobre o protesto de estudantes da Escola de Teatro e já está tomando todas as providências cabíveis, conforme as normas institucionais de combate às violências. A Ouvidoria da UFBA está voltada ao atendimento dos/as estudantes que realizaram manifestações, buscando, com a participação da direção da Unidade em questão, as mediações necessárias para garantir, respectivamente, o acesso aos direitos sociais de discentes e docentes, assim como o esclarecimento total das circunstâncias que levaram à manifestação.
A Universidade reafirma o compromisso com o pluralismo de ideias, com a promoção de valores democráticos e do respeito à diversidade e combate a todas as formas de manifestação de violência e discriminação, valorizando o diálogo e a transparência como pilares fundamentais para convivência universitária necessária ao desenvolvimento do ensino, pesquisa e extensão na Comunidade UFBA.
Nesse sentido, a Instituição tem construído estratégias elementares para a promoção de uma cultura consubstanciada no tributo aos direitos humanos, tal como a inauguração da Câmara Permanente de Enfrentamento, Prevenção e Acolhimento às Situações de Assédio e todas as formas de discriminação na UFBA que tem o objetivo de atender qualquer realidade e fatos, de acordo com os princípios e valores de uma educação emancipadora que é a missão da Universidade Federal da Bahia.
Fonte: Correio da Bahia