BRASIL

Stedile afirma que MST cansou de promessas e chama gestão da reforma agrária de vergonhosa

Principal líder nacional do MST, João Pedro Stedile diz que o movimento está cansado de promessas feitas pelo governo Lula desde que tomou posse, há dois anos.

“Não bastam mais propaganda, retórica, eventos e atos no Palácio. Nós queremos medidas concretas que solucionem problemas reais”, diz à coluna Painel, do jornal Folha de S.Paulo, em entrevista por email.

Ele é cético quanto a um pacote programado pelo ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, para o final deste ano, que, como revelou o Painel, teria como objetivo acalmar o movimento.

Envolve desapropriações, compra, e transferência de terras de grandes devedores da União para reforma agrária, além de recursos para assistência técnica de assentados.

“Faz dois anos que eles falam em ‘pacotes’. Anunciaram a tal ‘prateleira de terras’ e tantas outras promessas embaladas como presente de Natal”, declara.

Em recente entrevista ao Brasil de Fato, o sr. disse que não há um projeto de país no governo Lula, e que os pobres do campo ainda não foram colocados no Orçamento. Por que isso acontece, na sua avaliação, e que medidas precisam ser adotadas no curto prazo?

A vitória da frente ampla com Lula na cabeça foi fundamental para derrotarmos a extrema-direita, fascista e irresponsável.

Porém, isso não foi suficiente para termos uma unidade no governo, em torno da construção de um projeto de país. Um projeto focado em objetivos que orientem todos os ministérios e ações de governo.

Então, apesar da boa vontade do Lula, as políticas públicas não estão chegando nos mais pobres, das periferias e do campo.

Um exemplo: precisamos coordenar medidas que alcancem, de fato, os 70 milhões de trabalhadores que estão na informalidade, criando programas de emprego e renda, com base na reindustrialização do país para produzir em massa os bens de que a população precisa.

Os 4 milhões de camponeses mais pobres também não tiveram nenhuma política pública que enfrente a pobreza. Cada setor popular tem propostas de curto prazo para o governo, mas não têm tido desenvolvimento.

O sr. diz também que os integrantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Incra são incompetentes. Mudar essas pessoas, trocando o ministro e a cúpula do órgão, por exemplo, resolveria alguma coisa, se a orientação é do governo em geral?

Qualquer pessoa ou coletivo que ocupa cargos no governo, na iniciativa privada e nos movimentos e não consegue desempenhar a contento as tarefas para resolver as demandas é incompetente.

Nossa crítica não é pessoal. É uma crítica às ações insuficientes do governo. Não houve nenhuma desapropriação. Temos 72 mil famílias acampadas há anos esperando, esperando…

Temos 70 turmas de curso superior do Pronera [Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária], que custam R$ 100 milhões e o governo não consegue atender. A Anater [Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural] não recebeu até agora nenhum centavo para Ates [Programas de Assessoria Técnica, Social e Ambiental] nos assentamentos.

Não houve recursos para a moradia para atender às necessidades dos assentados. O PAA [Programa de Aquisição de Alimentos] tem sido insuficiente. São algumas das deficiências. A atuação das superintendências do MDA e do Incra nos estados é, no mínimo, vergonhosa.

É um governo que destinou mais de R$ 30 bilhões neste ano em desoneração fiscal para grandes empresas —até de agrotóxicos— multinacionais e agronegócio. Não pode dizer que não tem recursos para os pobres.

Nós temos programada uma reunião de trabalho com o presidente Lula para revisar os acordos que fizemos em ampla reunião dia 14 de agosto na Granja do Torto para que ele saiba o que está acontecendo e nos ajude a resolver. A impressão que temos é que, em geral, os ministros não falam a verdade para o presidente.

O ministro Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) disse recentemente em entrevista à Folha que aposta num pacote de medidas nesse final de ano que envolve compra e adjudicação de terras e mais recursos para assistência técnica de assentados. Como o sr. avalia essas promessas?

Faz dois anos que eles falam em “pacotes”. Anunciaram a tal “prateleira de terras” e tantas outras promessas embaladas como presente de Natal.

Um pequeno exemplo. O ministro fez ato público em São Paulo para anunciar o curso de Administração Rural pelo Pronera na UFSCAR [Universidade Federal de São Carlos] há seis meses. O curso não tem um centavo. E a UFSCAR não quer começar. Então, não bastam mais propaganda, retórica, eventos e atos no Palácio. Nós queremos medidas concretas que solucionem problemas reais. E os problemas, quando não resolvidos, só se agravam.

Fábio Zanini/Folhapress

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