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Famílias criticam veto do governo a pensão para crianças vítimas do zika vírus: ‘São culpados e não dão o mínimo’

“O culpado pela deficiência dos nossos filhos é o Estado Brasileiro e, por isso, é preciso que nos deem o mínimo”. O relato é de Germana Soares, vice-presidente Nacional do UniZika Brasil, que protesta contra o veto presidencial ao projeto de lei que previa uma pensão mensal e vitalícia para crianças com deficiência decorrente do vírus da zika. Publicado no Diário Oficial da União na madrugada desta quinta-feira, o veto foi acompanhado da edição de uma Medida Provisória (MP) que propõe o pagamento único de R$ 60 mil a cada família, considerada “medíocre” e vista como uma “cortina de fumaça” pelas mães.

A proposta vetada previa, além de uma indenização única de R$ 50 mil, o pagamento de uma pensão mensal vitalícia de R$ 7.786,02, correspondente ao teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), às crianças afetadas. O benefício também estaria isento de tributos e corrigido pela inflação.

Ao GLOBO, Germana, mãe de Guilherme, de 9 anos, criticou o valor de R$ 60 mil e afirmou que o governo é incapaz de oferecer o mínimo, já que o Estado foi o “culpado pela deficiência das crianças”.

— O valor de R$ 60 mil não paga nem uma cirurgia ortopédica das inúmeras deformidades que nossos filhos têm. Isso não é suficiente. A deficiência dos nossos filhos foi provocada, e não por genética ou falha médica. Foi um racismo ambiental, pois ficamos vulneráveis ao mosquito que não foi controlado pelo governo. Tudo isso é culpa do Estado Brasileiro. É preciso que nos deem o mínimo — disse a vice-presidente Nacional do UniZika Brasil.

Luciana Arraes, presidente do UniZika Brasil e mãe de Ana Lis, destacou a frustração com o veto do governo. Segundo ela, a MP editada para substituir o projeto de lei não atende às necessidades reais das famílias.

— O Presidente Lula cometeu um erro irreparável ao vetar integralmente o projeto. Nós, mães, estamos extremamente tristes, frustradas e decepcionadas com o governo. Eles tomaram a decisão de elaborar essa medida provisória por conta própria, sem ouvir as reais necessidades das mães e das famílias. A luta, no entanto, não vai parar. São quase 10 anos de negligência, descaso e esquecimento dessas famílias. Se Deus permitir, vamos conseguir derrubar esse veto no Congresso Nacional — afirma.

MP estabelece pagamento único de R$ 60 mil

A MP 1.287/2025, publicada como alternativa ao projeto vetado, estabelece o pagamento de R$ 60 mil em parcela única para crianças de até 10 anos que nasceram com deficiência causada pelo zika vírus entre 2015 e 2024.

A concessão do benefício está condicionada à comprovação da origem da deficiência e à disponibilidade orçamentária. A medida, válida por até 120 dias, ainda depende de aprovação do Congresso Nacional para se tornar lei, de disponibilidade orçamentária e de regras a serem elaboradas em conjunto por Ministério da Saúde, Ministério da Previdência Social e INSS.

Projeto foi apresentado em 2015

O projeto foi originalmente apresentado pela senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), em 2015, quando ela ainda era deputada federal. No final do ano passado, a redação foi aprovada pelo Congresso Nacional. Segundo Germana, o PL percorreu por duas vezes na Câmara Federal e todas as comissões do Senado.

— Desde 2015, quando ocorreu a epidemia da zika, que a gente vem lutando por políticas públicas e qualidade de vida para os nossos filhos. Eles foram acometidos pelo vírus, nascendo com microcefalia, por irresponsabilidade do Estado Brasileiro. Não houve prevenção e nem cuidados pós contaminação. Todas essas crianças tiveram seus destinos atravessados e nós, mães, afundamos nossos sonhos, paramos de trabalhar e nos tornamos solos. Essas crianças não têm transporte acessível, terapia, consulta adequada, exames em tempo correto, cirurgias — acrescentou Germana.

Em entrevista à Agência Senado, a senadora Mara Gabrilli, autora do PL 6064/23, classificou o veto como “estarrecedor”. Gabrilli também criticou a MP, que considera “uma afronta à dignidade dessas famílias”.

— Após dez anos de luta e espera, essas famílias são silenciadas com uma simples canetada. É triste que essas famílias nem sequer foram ouvidas pelo governo — afirmou.

O que diz o governo

Procurado pelo GLOBO, a Secretaria de Comunicação da Presidência disse que “o veto baseia-se na necessidade de observância às normas de responsabilidade fiscal e orçamentária, considerando que a proposição legislativa cria despesas obrigatórias de caráter continuado e benefícios tributários sem apresentar a devida estimativa de impacto financeiro ou a indicação de fonte de custeio”.

Na nota que justifica o veto, o Governo Federal também argumenta que, “ao dispensar da reavaliação periódica os beneficiários do benefício de prestação continuada concedido em virtude de deficiência decorrente de síndrome congênita associada à infecção pelo vírus Zika, a proposição diverge da abordagem biopsicossocial da deficiência, contraria a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e cria tratamento não isonômico em relação às demais pessoas com deficiência”.

Mais de 12 mil casos de microcefalia

A explosão de casos de microcefalia em crianças associada ao zika vírus aconteceu entre 2015 e 2016, quando foram notificados 12.716 casos suspeitos. À época, a epidemia de zika se espalhou para 60 países.

De acordo com um estudo publicado pela revista científica The Lancet Regional Health – Americas, mais de 30% das crianças nascidas de mães infectadas pelo vírus zika durante a gravidez apresentaram microcefalia ou outras anormalidades neurológicas, oftalmológicas e de neuroimagem, em decorrência da infecção.

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