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De profeta mirim a área VIP: como o absurdo virou doutrina nas igrejas

Recentemente, li o artigo do pastor Daniel Guanaes para esta Folha sobre a criação de áreas VIP dentro de templos , destinadas a receber pessoas famosas, influenciadores, artistas, políticos e milionários. Resolvi chamar essas sandices de teologia do absurdo. Explico.

A área VIP em igrejas soma-se agora aos profetas mirins, aos pregadores-coaches que chegam de presidente aos cultos, à igreja redpill do pastor Jack, à apologia às armas e à pena de morte —com direito à “unção” de armamentos no altar—, aos batismos no formato do número 17 (símbolo de Bolsonaro nas eleições de 2018), aos pastores financiando atos terroristas e até à “Bíblia do Patriota”, vendida em oração políticas.

Como mostrado pelo pastor Guanaes, a ideia de reservar espaços de culto para celebridades diante dos princípios do Evangelho, repetidos desde os primeiros apóstolos. Até poucos anos atrás, essa prática sequer seria cogitada. Havia um consenso interpretativo entre os evangélicos —ainda que o campo religioso não seja homogêneo— de que esse tipo de distinção não cabe no ambiente de culto cristão.

Alguns exemplos ajudam a ilustrar. Há algum tempo, Rodolfo Abrantes, ex-vocalista da banda Raimundos, tornou-se evangélico e passou a frequentar a Igreja Bola de Neve em Balneário Camboriú, Santa Catarina . Apesar das diferenças teológicas e litúrgicas com o grupo, nunca o vi em posição de destaque no templo. Também não havia pessoas tentando tirar fotos ou constrangê-lo com assédio.

Indo mais longe no tempo, quando a atriz e cantora Darlene Glória se converteu à fé evangélica e passou a frequentar cultos na Igreja Presbiteriana da zona sul do Rio, ela nem sequer usou seu nome artístico. Preferiu se apresentar como Helena Brandão, seu nome de batismo. Nunca estive na área VIP.

Essa enxurrada de absurdos que nos assola diariamente tem um efeito devastador. Visto nos cansar. Nós, cristãos e pastores comuns, que não abrimos a mão do Evangelho, acabamos angustiados por não ter tempo nem fuga para proteger os irmãos mais novos na fé dessas teologias danosas. Isso nos desanima, causa desesperança, nos afastados dos cultos —às vezes por puro cansaço espiritual.

Ao meu redor, vejo pastores sérios, que vivem de forma íntegra, tomados por profunda tristeza. Alguns enfrentam depressão , esgotamento , ansiedade crônica. Estamos exaustos por lidar, dia após dia, com essas teologias que chegam com a velocidade das redes sociais.

Para quem ainda preserva a sanidade teológica e pastoral, o silêncio também machuca. É como escreveu o profeta Jeremias: “…a palavra arde como fogo em meu coração; é como fogo em meus ossos. Estou cansado de tentar contê-la; é impossível!” (Jeremias 20:9).

A teologia do absurdo busca destruir a alma dos que lutam para manter suas igrejas como espaços de acolhimento, esperança e refúgio no caos das grandes cidades —onde todos são VIPs, pelo simples fato de serem imagem e semelhança de Deus.

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