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Entrevista – Eliana Calmon: “Não está errado aplicar a Magnitsky contra Alexandre de Moraes. Ele está em descontrole”

Ex-ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ex-corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Eliana Calmon aprova a aplicação das sanções do governo dos Estados Unidos ao ministro do Superior Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, com base na Lei Magnitsky. Para ela, o relator das ações do 8 de janeiro cometeu “irregularidades claras” ao conduzir investigações que envolvem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ao impor restrições a empresas de tecnologia americanas, sem seguir os trâmites legais internacionais.

Nesta entrevista exclusiva ao Política Livre, concedida na última sexta-feira (01), Eliana fez críticas severas ao STF como um todo, que, em sua visão, atua politicamente, extrapola suas funções constitucionais e tem se fechado em torno de Alexandre de Moraes por puro corporativismo. Ela considera inevitável a condenação de Bolsonaro, não necessariamente por provas, mas como forma de o Supremo preservar sua própria imagem diante da sociedade e da comunidade internacional.

Primeira juíza de carreira a chegar a um tribunal superior no Brasil, Eliana Calmon, que é baiana de Salvador, ficou conhecida por sua postura objetiva e pelo enfrentamento à corrupção no Judiciário, sobretudo durante sua passagem como corregedora nacional de Justiça, entre 2010 e 2012. Ela também tentou a vida política – foi candidata ao Senado em 2014 pelo PSB –, mas afirma que não pretende mais disputar cargos eletivos. Aposentada do serviço público, a ministra se dedica hoje à advocacia privada, à frente do escritório Eliana Calmon Advocacia e Consultoria, com sede em Brasília.

Seu foco são as áreas tributária e administrativa. Ao lado de uma equipe de jovens advogados, diz atuar, no entanto, apenas em causas que considera justas.

Confira abaixo a entrevista na íntegra:

Política Livre – Como a senhora avalia os ataques do presidente dos EUA, Donald Trump, ao Supremo Tribunal Federal (STF), em especial ao ministro Alexandre de Moraes? O republicano citou as ações do magistrado contra o ex-presidente brasileira Jair Bolsonaro (PL) e as big techs entre os motivos da taxação de 50% dos produtos brasileiros.

Eliana Calmon – Olha, veja bem, eu entendo que as coisas estão muito confusas, porque o presidente Lula (PT) está usando esse fato como um fato político e está dando certo. Mas eu acho que nós temos de botar a cabeça no lugar e verificar o seguinte: por mais que o presidente Trump seja assim atabalhoado, ele comanda a maior Nação do mundo, e ele não pode, naturalmente, submeter uma decisão política da gravidade que é a taxação das importações a um fato político brasileiro, que é a questão de (Jair) Bolsonaro (PL) e dos filhos de Bolsonaro. Isso não cabe na cabeça de ninguém. Essa taxação foi uma política econômica feita pelos Estados Unidos a diversos países do mundo, quase todos os países do mundo, porque os Estados Unidos estavam precisando fazer um reajuste na sua economia. E aí nós não vamos entrar na questão de poder ou não poder, é uma questão dos Estados Unidos. Os países amigos, os países que têm relações comerciais com os Estados Unidos, começaram a se aproximar de Trump para negociar. O Brasil adotou uma política externa totalmente diversa daquilo que vem fazendo outras Nações. O Brasil sempre foi aliado político e econômico dos Estados Unidos, mas, a partir do governo Lula, começou a agir em outra direção.

“Como pode aquele que se diz vítima, como no caso dessa denúncia de que houve um plano para matá-lo, julgar o processo?”

A senhora se refere à defesa do presidente Lula à desdolarização do comércio global, sobretudo entre os países do Brics?

Ele foi a primeira pessoa, ou a única pessoa, que disse para tirar o dólar. Isso foi para os EUA uma coisa muito severa. A outra coisa muito severa foi que o governo brasileiro começou a pautar a compra de armamentos da China, a exemplo dos aviões chineses, e isso começou a despertar no governo norte-americano um sinal de alerta. Afinal, o Brasil é importante para eles para manter a questão da política de direita na América Latina, pois é o maior país da região, e se torna um problema quando este país se associa à China, à Rússia ou ao Irã. No governo Lula, começamos a ouvir aquelas acusações todas que eu estava acostumada a ouvir quanto tinha 17 anos na faculdade, de que os EUA são imperialistas, que só querem nos explorar, que temos de fazer valer a nossa soberania, que não podemos nos render. Enquanto isso, o governo Lula se aproxima dos governos comunistas, desprezando não só os EUA, como os países ocidentais. Veja que os chineses estão explorando uma mina enorme de estanho na Amazônia e esses tipos de negócio estão sendo anotados pelos EUA.

Mas a China já era o maior parceiro econômico do Brasil mesmo no governo Bolsonaro. O ex-presidente, inclusive, deixou aspectos ideológicos de lado e tentou ampliar acordos comerciais com os chineses, inclusive para a venda de estatais.

Já era e ele (Lula) incentivou isso, porque a parceria econômica com a China sempre foi importante, porque eles têm um grande mercado consumidor e tinham muita mercadoria, até mercadoria de baixa qualidade que nós adquiríamos em grande quantidade. Mas a partir do governo Lula começou-se a incentivar questões muito sérias, ligadas aos metais nobres que o Brasil tem e isso foi que fez com que os EUA começassem a abrir os olhos, dizendo que o principal parceiro deles na América está dando prioridade em negociações grandes com os chineses. Isso começou a preocupar eles.

E o discurso de Trump de que o Brasil deve ser punido economicamente por conta do julgamento de Bolsonaro?

Essa posição de Trump não é Bolsonaro. Bolsonaro é a cereja do bolo, cereja que está fazendo muito bem a Lula. O Brasil está sendo taxado por conta das atitudes de Lula que citei.

O próprio Trump, no entanto, justificou as medidas adotadas contra o Brasil como uma resposta ao tratamento dado a Jair Bolsonaro, acusando autoridades brasileiras de perseguição, sobretudo Alexandre de Moraes. Um dos filhos do ex-presidente brasileiro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), tem atuado nos EUA contra Moraes e a favor das tarifas impostas a produtos do Brasil.

O que eu vejo na colocação é o seguinte: ele (Trump) começou a negociar com os outros países e houve avanços, inclusive na Europa, mas no Brasil, além de todos esses aspectos que citei, ainda tinha a questão dos direitos humanos, violações, censura. A questão do Alexandre de Moraes não é só o julgamento de Bolsonaro. O ministro do STF começou a impugnar as empresas das redes sociais americanas e começou a notificá-las através de e-mail para que fossem fechadas as comunicações de determinadas pessoas, sob pena de aplicação de sanções. E isso fez com que uma empresa americana (a Trump Media, que pertence a Donald Trump) fosse a um tribunal da Flórida para contestar essa posição. Ele (Alexandre de Moraes) estava mandando ordens para empresas americanas, no território americano, por e-mail, sem seguir os protocolos adequados. O próprio Ministério da Justiça foi questionado e obrigado a dizer que existem protocolos assinados, que há uma legislação a seguir que não estava sendo seguida. As ordens judiciais que saem da Justiça brasileira devem chegar aos EUA mediante carta rogatória. E o Alexandre de Moraes, entendendo que por ele ser ministro da Corte Suprema, achou que esta carta rogatória seria totalmente dispensável. Isso tudo levou a que Trump considerasse que isso aqui é uma bagunça total. Então, aquilo que estavam levando para Trump, de que Bolsonaro estava sendo processado de forma ilegal, e as questões no processo do 8 de janeiro, começou a ter aspecto de verdadeiro, como se fosse real.

A senhora considera que há ilegalidades no julgamento dos condenados pelos atos ocorridos em Brasília no dia 8 de janeiro de 2023?

O que eu pergunto a você é o seguinte: está certo a prisão daqueles que foram considerados golpistas no dia 8 de janeiro? Todos aqueles que estavam na porta dos quartéis foram colocados em ônibus, mandados para ficar na Praça dos Três Poderes. E aí foram presos, todos e considerados golpistas. Está certo o Alexandre de Moraes denunciar, processar e julgar o processo? Como pode aquele que se diz vítima, como no caso dessa denúncia de que houve um plano para matá-lo, julgar o processo? Não precisa ser juiz e nem advogado para saber que não está certo. O Ministério Público é que deve ser isento para acusar. E no Judiciário um juiz independente deve julgar para que se tenha um julgamento independente. E este processo, que é o processo principal contra Bolsonaro, está sendo julgado por aquele que se diz vítima de Bolsonaro. Ele é que toma todos os depoimentos e é ele que vai julgar como relator. Então o que fica parecendo para os EUA e o mundo? Que nós estamos infringindo as normas dos direitos humanos. E há normas internacionais sobre isso. O mundo já chegou à conclusão, a partir até do que aconteceu na Venezuela, ou na Alemanha nazista com o Holocausto, de que não pode deixar à deriva determinados direitos fundamentais sob o pretexto da soberania de um país.

Então a senhora tem a mesma opinião de alguns juristas de que o STF também extrapolou as suas funções ao abrir por conta própria o inquérito das fake news, em março de 2019?

Há seis anos esse inquérito funciona, aberto. E quem são os indiciados? Porque antes de haver a denúncia é preciso que os indiciados sejam apontados. Quem são os indiciados neste inquérito de seis anos? Ninguém sabe, porque na capa não tem. Na medida em que a coisa vai avançando é que eles vão botando dentro do inquérito. E há seis anos esse inquérito vai tramitando. Quando o relator, que é Alexandre de Moraes, entende que está bom para determinados réus, ele pega um pedaço do inquérito, manda para o Ministério Público, para acolher. Inclusive, com um detalhe: algumas vezes, o Ministério Público se nega a denunciar e ele (Alexandre de Moraes) manda voltar para denunciar. E isso começou a criar uma bola de neve como sendo uma infração às normas de direitos humanos.

“Por que o Senado não faz nada? Porque muitos senadores têm processos finais no Supremo Tribunal Federal que não são julgados.”

A senhora concorda com a decisão de Trump de aplicar a Lei Magnitsky contra Alexandre de Moraes?

Eu acho que cabe sim, na medida que eu sou jurista e estou pontuando, e acabei de pontuar aqui para você, algumas das irregularidades que eu estou vendo serem praticadas pelo relator deste processo do fim de mundo e, inclusive misturado com este processo, a questão do golpe de 8 de janeiro.

A senhora também concorda com o ex-ministro do STF Marco Aurélio Mello de que Alexandre de Moraes precisa ser “levado a divã de psicanalista”?

Olha, e com urgência, com urgência absoluta! Ele está em descontrole. E a maior prova do descontrole é que eu vi até na televisão ele muito sorridente e dizendo que não estava preocupado e tal. Foi para o jogo do Corinthians contra o Palmeiras (na semana passada, em São Paulo) e fez um gesto obsceno. Ele, um relator sob o fogo cruzado da opinião pública, e ele faz um gesto daquele. Então isso já é um sinal de descontrole.

Por que, então, ele tem o apoio da maioria dos colegas no Supremo?

Eu conheço muito bem o Supremo Tribunal Federal. Quando eu estava como corregedora, comecei a ter problemas com o presidente do Supremo, que na época era o ministro (Antonio Cezar) Peluso, também presidente do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ou seja, eu era subordinada a ele. Comecei a ter desavenças internas. Um ministro do Supremo, um amigo meu, disse o seguinte: ‘Eliana, você tem razão em estar fazendo o que está fazendo, mas uma coisa eu vou lhe dizer, você não ganha esta guerra, porque o Supremo, tradicionalmente, ele se fecha em torno do seu presidente e dos seus ministros por uma questão de corporativismo e fortalecimento institucional’. De forma que este apoio que está sendo dado ao Alexandre de Moraes é exatamente a característica daquele tribunal. Mas eles não são amigos de ninguém ali dentro. O Supremo é um serpentário, mas eles se unem para não perder poder. E a Constituição de 1988 equivocadamente deu (poder) para eles. O professor Calmon de Passos já dizia que nós iríamos nos arrepender da Constituição que foi feita, porque o Supremo não pode ter esses poderes que tem. Eles não têm limites. O único limite que tem é o Senado.

Onde há pedidos de impeachment, por exemplo, contra o ministro Alexandre de Moraes, que nunca avançaram…

Por que o Senado não faz nada? Porque muitos senadores têm processos finais no Supremo Tribunal Federal que não são julgados. É um número bem grande.

Tanto deputados federais quanto senadores costumam acusar o Supremo de querer legislar. Há um ativismo judicial no Brasil?

Exatamente. Eles (os ministros) usam estes processos contra os deputados e contra os senadores como uma espécie de extorsão. E isso que eu estou dizendo é o que está diante de nós. A Rede Globo pode não dizer, mas todo mundo sabe disso. Não é segredo, é segredo de polichinelo.

A senhora acredita que o ex-presidente Jair Bolsonaro será condenado e preso pelo STF?

É a coisa mais certa que nós temos. O ex-ministro (da Fazenda) Maílson da Nóbrega já disse que no Brasil as coisas são tão incertas que até o passado é incerto. E é mesmo – o passado é incerto. Mas a coisa mais certa que tem no Brasil é que eles vão condenar rapidamente o Jair Bolsonaro, o que é a única escapatória que o Supremo tem de ainda manter um pouco da sua dignidade. É dizer o seguinte: ‘olha, nós processamos porque ele cometeu um crime’. Não vou entrar em questão se é crime, se não é, se cometeu ou não cometeu.

Quando a senhora foi corregedora nacional de Justiça, entre 2010 e 2012, combateu duramente a corrupção no Judiciário, inclusive na Bahia. As coisas melhoraram desde então?

Olha, o tribunal mudou, porque subiram muitos juízes mais novos, que têm uma outra visão, que têm uma outra verve. Agora, (a corrupção) continua. A corregedoria está, ao que eu sei, e até para surpresa minha, muito dinâmica. O que havia, por exemplo, em Porto Seguro, lá pelo sul da Bahia, que era um escândalo, eles estão combatendo com muita veemência. Eu entendo que houve uma melhora, mas a corrupção continua, porque a origem não foi removida e essa origem está na política.

Tem planos de retornar à política?

Não, não volto. Hoje eu estou aposentada do serviço público, mas eu estou com o escritório de advocacia estabelecido em Brasília, com diversos advogados. Eu tenho oito advogados que trabalham comigo, jovens, e estamos fazendo exatamente aquilo que eu sempre gostei, do bom direito, atuando nas áreas tributária e administrativa. Eu pego as questões que eu acredito que sejam justas.

A senhora aceitaria alguma causa, mesmo que como consultora, de um dos acusados pelos atos golpistas do dia 8 de janeiro?

Não, não. Essas questões políticas eu não estou advogando, nem advogo no CNJ, porque eu tive muita participação nisso tudo. Eu fui uma pessoa que participei da Lava Jato, muito ligada a (Deltan) Dallagnol (ex-deputado pelo Novo e ex-procurador) e a Sérgio Moro (atual senador pelo União Brasil e ex-juiz). Eu entendo que eu não tenho a isenção necessária para funcionar como advogada nesses casos.

 

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