Paula Santana da Anunciação, 36, não conseguia vaga na rede pública de saúde para colocar um DIU (dispositivo intrauterino), disponível em apenas 19,7% das UBSs (Unidades Básicas de Saúde) do país, de acordo com censo do Ministério da Saúde divulgado em 2025.
Em abril deste ano, ela finalmente agendou o procedimento em uma UBS de Juazeiro, município no interior baiano com 237,8 mil habitantes.
‘Tive um aborto espontâneo e estava com dificuldade para colocar o DIU. Antes, eu tomava anticoncepcional e sentia mal-estar’, conta Paula. ‘Agora estou usando o DIU e em processo de adaptação.’
Juazeiro tem um programa de estímulo ao uso de métodos contraceptivos de longa duração que busca reduzir a taxa de gestação não planejada e promover saúde sexual. A prefeitura comprou os DIUs e treinou os funcionários, e os kits foram ofertados pelo Idomed (Instituto de Educação Médica), do grupo Yduqs.
As UBSs fazem busca ativa de pacientes, verificam se há indicação e as encaminham para o procedimento, que pode ser realizado na própria unidade ou no ambulatório de planejamento familiar.
O Idomed chegou a Juazeiro em abril de 2018 com a primeira turma do curso de medicina no âmbito do programa Mais Médicos, política pública que leva profissionais para regiões com alto índice de vulnerabilidade e, muitas vezes, de difícil acesso.
A falta de médicos nas redes básica e especializada é uma lacuna que o programa tenta preencher, com o impulso da parceria com universidades. Após a confirmação do município no programa, as instituições interessadas se inscrevem em um edital do MEC (Ministério da Educação) e, uma vez credenciadas, precisam repassar verbas para o SUS (Sistema Único de Saúde). Outro compromisso é conceder bolsas de estudo integrais a moradores de baixa renda.
Em algumas regiões do município baiano faltam até mesmo agentes comunitários de saúde. Na porta principal da UBS Residencial Juazeiro 1, 2, 3, por exemplo, no bairro Itaberaba, um bilhete escrito à mão, preso com fita crepe, avisava sobre remarcações de consultas de três pacientes, um recurso usado para driblar as dificuldades de comunicação decorrentes da falta de pessoal.
No residencial vivem 15 mil pessoas e todas são atendidas na UBS, equipamento que é a porta de entrada para a Atenção Básica, primeiro nível de atendimento no SUS em qualquer lugar do Brasil.
‘Estima-se que 90% das demandas de saúde podem ser atendidas e resolvidas na Atenção Primária. Então, se eu faço uma boa anamnese e um bom exame físico, posso resolver a situação da paciente na unidade ou encaminhá-la para o especialista correto’, afirma Pedro Henrique de Castro Amorim Andrade, 24, aluno do sexto período de medicina do Idomed Juazeiro e que atende sob supervisão na UBS Residencial.
De acordo com Felipe Proenço, secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, o Mais Médicos busca olhar para regiões que não possuem graduação em medicina e que, a partir da inauguração de um curso, possam contar com mais profissionais.
‘Estudos nacionais, embora não sejam específicos dos cursos de medicina criados em virtude do programa Mais Médicos, demonstram que o estudante que faz a graduação e a residência na mesma localidade tem 85% de chances de permanecer ali’, afirma.
O secretário municipal de Saúde de Juazeiro, Helder Coutinho, diz contar com a escola de medicina para reconstruir o sistema público de saúde local. ‘Geralmente, os profissionais buscam os grandes centros, e a [presença da] faculdade no interior contribui para que esse profissional permaneça aqui.’
A mensalidade do curso de medicina do Idomed Juazeiro custa R$ 12 mil. Conforme pactuado, o instituto repassa 6% do faturamento para o fundo municipal de saúde, por meio do Coapes (Contrato Organizativo de Ação Pública Ensino-Saúde). O dinheiro é empregado em unidades em que há presença de aluno do Idomed. De acordo com a instituição, R$ 29 milhões foram investidos de 2018 até abril de 2025.
Entre as melhorias realizadas no SUS a partir da presença da instituição na cidade estão cursos para profissionais da rede de saúde, reconstrução da Policlínica Municipal de Juazeiro, compra de equipamentos e reformas no Hospital Materno Infantil, da sede do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) e de 13 UBSs -outras três foram construídas.
Ambulatórios atendem pacientes do SUS
Alunos e profissionais do Idomed Juazeiro também atendem pacientes do SUS em 25 ambulatórios de especialidades que funcionam dentro do Hospital São Lucas. Os serviços são gratuitos.
Há dois anos, Joermesson Bahia Gonçalves, 15, descobriu uma doença rara. Em conversa com a Folha, a prima do adolescente, Cristina Aparecida Dias Gonçalves, 43, afirmou que a suspeita é de anemia hemolítica -condição em que a destruição dos glóbulos vermelhos é mais rápida do que a produção de novos pelo corpo.
Quando começaram as crises provocadas pela doença, a família morava numa comunidade agrícola em Curaçá, no interior da Bahia. A mudança para Juazeiro foi necessária para ficar mais perto de serviços de saúde que pudessem viabilizar socorro rápido. O jovem retirou o baço em fevereiro do ano passado, mas não houve melhora, e o diagnóstico segue em investigação.
A farmacêutica e professora Laiane Silva de Oliveira, 31, conta que viaja 200 quilômetros de Mirangaba (BA) a Juazeiro para o tratamento de saúde do filho, Rian Oliveira dos Santos, 9, que tem PTI (Púrpura Trombocitopênica Idiopática), uma doença autoimune que causa redução acentuada no número de plaquetas no sangue. Ele é assistido no ambulatório de hematologia pediátrica do Idomed.
Não fosse o ambulatório em Juazeiro, a segunda opção de Rian seria tentar tratamento em Salvador, ainda mais longe para a família. ‘Foi a doutora Ilka [Juliana] quem descobriu a doença dele. Rian já tinha essa baixa de plaquetas e ninguém sabia o que era’, conta Laiane.
Segundo a hematologista pediátrica Ilka Juliana, 38, a especialidade foi introduzida em Juazeiro pelo Idomed, em 2021. O caso de Rian, ela diz, está longe de ser o único complexo. ‘Casos de doença falciforme são incidentes na Bahia. Anemia hemolítica, distúrbio de coagulação sanguínea e doença de Von Willenbrand, por exemplo, também são encaminhados para o ambulatório.’
As repórteres viajaram para Juazeiro a convite do Idomed
Jornalista: Patrícia Pasquini
Fotojornalista: Rafaela Araújo