O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), acumulou, no último mês, mais uma tarefa de peso ao herdar, ainda que temporariamente, a chamada ADPF das Favelas. Com isso, o magistrado se consolida como referência na corte sobre segurança pública, tema hoje na agenda do país e com potencial de dominar o debate eleitoral de 2026.
Após o envio do caso a seu gabinete, Moraes foi ao Rio de Janeiro cobrar explicações dos responsáveis, incluindo o governador Cláudio Castro (PL), pela Operação Contenção, a mais letal da história do país, com 121 mortos, além de dar andamento ao processo ao qual está vinculado o inquérito aberto pela Polícia Federal sobre o crime organizado naquele estado.
O relator original da ADPF das Favelas era Edson Fachin. Ao assumir a presidência da corte em setembro, a ação foi entregue ao gabinete do antecessor, Luís Roberto Barroso. Enquanto não é definido um substituto de Barroso, agora aposentado, a relatoria cabe ao próximo ministro mais antigo, Moraes.
Pessoas próximas à corte afirmam que, embora sinta algum desgaste ao manejar temas espinhosos, o ministro que é também relator da trama golpista, processo que levou à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), não recusa o protagonismo. Procurado pela Folha por meio de seu gabinete, Moraes não quis se manifestar.
Essa característica atribuída a Moraes explicaria, por exemplo, a reunião demandada por ele com Castro, em um dos primeiros atos na ADPF das Favelas. A postura, incomum, chamou a atenção.
A iniciativa de Moraes seria regular, segundo observadores do Supremo, similar a diligência de um magistrado a um presídio para verificar as condições da unidade prisional.
Outras pessoas que acompanham o processo, no entanto, entendem que o juiz não seria um agente de segurança e ter conhecimento dos fatos para julgar não implica necessariamente ir ao local, como faria um investigador. O juiz conhece os fatos de acordo com as provas que as partes levam ao processo.
Em outra decisão nos autos, Moraes ordenou a preservação e documentação “rigorosa e integral” de todo material relacionado à execução da operação nos complexos da Penha e do Alemão.
Sempre que o tribunal se debruça sobre temas de segurança pública, Moraes é uma voz ativa no plenário.
Assim foi quando a corte vetou, em abril, as revistas íntimas vexatórias de visitantes do sistema prisional.
O ministro levou o recurso do plenário virtual ao presencial e foi presença enérgica durante toda a discussão.
Nesses momentos, o ministro apresenta pesquisas, faz intervenções nos votos dos colegas, lembra sua carreira pregressa e se esforça para influenciar na construção da tese final.
Moraes foi promotor de Justiça, secretário de Segurança Pública e secretário de Justiça de São Paulo, além de ministro da Justiça do ex-presidente Michel Temer, por quem foi indicado ao Supremo. Na pasta da Justiça, ele lidou com um sistema penitenciário à beira da explosão.
O crescimento de Moraes enquanto figura pública se deu a partir de 2019, quando foi nomeado por Dias Toffoli, então presidente da corte, relator do inquérito das fake news.
Aquela decisão culminou no controle dos processos da trama golpista de 2022. Moraes conduziu a ação penal na qual Bolsonaro e mais sete réus foram condenados pela tentativa de ruptura democrática, após um ritmo acelerado dado ao processo.
No período, Moraes se tornou alvo de Donald Trump. O presidente dos Estados Unidos aplicou uma sobretaxa de 50% a produtos brasileiros citando o julgamento de Bolsonaro, cancelou o visto do ministro e de outras autoridades, impôs sanções econômicas a ele e, mais à frente, incluiu a esposa dele, a advogada Viviane Barci de Moraes, e a empresa da família entre os sancionados pela Lei Magnitsky.
As medidas mobilizaram a diplomacia brasileira, o governo Lula (PT), que saiu em apoio ao ministro, colegas da corte, que fizeram manifestações de apoio, além de uma ala formar uma base de sustentação firme em torno dele.
Em 2025, além dos temas criminais, Moraes se tornou relevante também em outras searas.
Em junho, ele foi definido relator da ação sobre as mudanças no IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). A partir de então, integrantes do governo, do Congresso e do próprio tribunal discutiram uma saída negociada à pauta delicada entre Parlamento e Executivo.
Moraes chamou uma audiência de conciliação, que terminou sem uma solução. Como a Folha mostrou, entretanto, os debates começaram a tomar forma durante o 13º Fórum de Lisboa, o Gilmarpalooza. Entre as possibilidades conversadas já em Portugal estavam uma alíquota menor e a desistência da cobrança sobre o risco sacado —esta última se confirmou por decisão do relator.
Nos bastidores, pessoas próximas à corte comentavam que Moraes viu no processo uma chance de reduzir o foco da atuação mais dura dele, na área penal, e se apresentar como um fiel da balança em outro tema sensível. Moraes também tem bom trânsito com algumas lideranças do Congresso, como Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), presidente do Senado.




