BAHIA POLÍCIA

Caso Geovane: TJBA define data de júri popular dos sete PMs acusados de esquartejar o jovem

A máxima de que só o tempo cura as dores não se aplica a Jurandy Silva Santana, de 51 anos. “Sinto a mesma angústia de sempre”, desabafa ao lembrar daquele 2 de agosto de 2014. Naquele dia, seu filho, Geovane Mascarenhas de Santana, então com 22 anos, foi sequestrado e posteriormente decapitado dentro de uma unidade da Polícia Militar no bairro do Lobato, em Salvador. Agora, quase 12 anos depois, os sete policiais irão enfrentar o júri popular no dia 27 de abril de 2026.

“Eles que deveriam nos proteger cometeram essa atrocidade. Arrancaram um pedaço grande de mim. Se a Justiça for feita, todos serão condenados e teremos um pouco de alívio”, declara o pai de Geovane.

Geovane foi sequestrado, morto e esquartejado por policiais militares das Rondas Especiais da Polícia Militar (Rondesp), recentemente transformadas em batalhões. As investigações apontaram que a mão esquerda da vítima foi encontrada carbonizada junto com a cabeça, em Campinas de Pirajá. O restante do corpo foi deixado no Parque São Bartolomeu.

Após a conclusão da instrução processual, com a apresentação de provas, depoimentos de testemunhas e laudos periciais, o juiz pronunciou os réus, mantendo todas as acusações descritas na denúncia do Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA). O Ministério Público informou que, em breve, irá designar um promotor para atuar no júri. Os policiais respondem por sequestro, roubo – já que a motocicleta e o celular de Geovane não foram encontrados -, ocultação de cadáver, formação de quadrilha e homicídio qualificado.

O júri está marcado para começar às 8h, no Fórum Ruy Barbosa, no Campo da Pólvora, em Salvador. A data foi divulgada no dia 1º deste mês, no portal do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA). “A prova é robusta e demonstra que os policiais estiveram nos locais onde a cabeça e o corpo de Geovane foram deixados. Nossa expectativa é a condenação máxima, que pode chegar a 40 anos”, afirma o advogado da família, Paulo Kleber Carneiro Carvalho Filho, que atuará como assistente de acusação do MPBA no julgamento.

Os réus que irão encarar os jurados são o subtenente Cláudio Bonfim Borges; o sargento Daniel Pereira de Souza Santos; os soldados Roberto Santos de Oliveira, Alan Moraes Galiza dos Santos e Alex Santos Caetano; além do ex-soldado Jesimiel da Silva Resende, expulso da corporação por outro desvio de conduta. Já o soldado Jailson Gomes Oliveira será julgado pelos mesmos crimes, com exceção da ocultação de cadáver.

“Com exceção de Jesimiel, que não faz mais parte da corporação, os demais estão em plena atividade, trabalhando normalmente, inclusive em atuação externa”, diz o advogado. O CORREIO procurou a Polícia Militar para confirmar as informações e solicitar um posicionamento, mas até o momento não houve resposta.

Inicialmente, 11 policiais militares foram denunciados pelo MPBA. No entanto, a juíza do caso, Gelzi Maria Almeida de Souza, então titular do 1º Juízo da 1ª Vara do Júri, absolveu os demais envolvidos no processo: o sargento Gilson Santos Dias e os soldados Cláudio César Souza Nobre, Fábio Nobre Lima Masavit Cardozo e Jocenilton Santos Ferreira.

STF

Apesar das inúmeras manobras judiciais da defesa e de recursos apresentados até o Supremo Tribunal Federal (STF), não foi possível evitar o julgamento pelo Tribunal do Júri. A audiência foi marcada após 11 anos e 10 meses do crime. “Não há mais como adiar, pois todos os réus foram intimados. Quem não comparecer sofrerá os efeitos da revelia”, explica Paulo Kleber. Segundo ele, a sentença não deve sair no mesmo dia. “Pela complexidade do caso, pelo volume de provas e pelo número de testemunhas de acusação e defesa, acredito que o julgamento dure ao menos dois dias”, avalia.

Caso Geovane: PMs vão à júri popular em abril de 2026 Crédito: Acervo Pessoal

Para a diretora-executiva da Iniciativa Negra, Carol Santos, o crime “demonstra mais um ato de crueldade de agentes de segurança da Bahia ao executar sumariamente mais um jovem negro periférico”. “Não é um caso isolado, mas uma atuação sistemática baseada no racismo estrutural do Estado. É fundamental que esses policiais sejam responsabilizados, como forma de garantir justiça aos familiares da vítima e pensar caminhos de enfrentamento e reparação”, afirma.

A reportagem procurou a defesa dos réus, mas até o momento não há resposta. O espaço segue aberto.

Dor

Ao longo desses quase 12 anos, a família de Geovane convive com a dor, a revolta e as sequelas da barbárie. O avô, Getúlio Silva de Santana, de 72 anos, morreu em 2021. “Ele entrou em depressão após a morte de Geovane. Tinha diabetes, deixou de ir ao médico e de tomar os remédios. Acabou morrendo por complicações da doença”, conta Jurandy.

Pouco depois da morte de Geovane, nasceu a filha dele. Apesar do acompanhamento psicológico, a menina, hoje com 11 anos, ainda tenta compreender o que aconteceu com o pai. “Quando era pequena, dizíamos que ele estava viajando. Com o tempo, passou a questionar mais, queria saber por que os pais das amigas iam buscá-las na escola e o dela não. Hoje, os psicólogos trabalham a realidade com ela”, relata Jurandy.

Apesar de seus quase dois metros de altura, o pai tenta ser forte para seguir em frente, mas admite que a dor persiste. “Na época eu tinha 39 anos. Tento manter a rotina, inclusive de trabalho, mas a saudade aperta. Qualquer lembrança faz tudo voltar”, desabafa.

Abordagem

Geovane Mascarenhas desapareceu após ser abordado por policiais da Rondesp BTS, no dia 2 de agosto de 2014, no bairro da Calçada. Sem respostas da polícia, o pai iniciou uma investigação própria e encontrou um vídeo que registra o último dia de vida do filho, no qual ele é retirado da motocicleta e colocado no porta-malas de uma viatura da Rondesp/BTS.

Laudo do Departamento de Polícia Técnica (DPT) apontou que o jovem foi decapitado e teve o corpo carbonizado. Segundo o Ministério Público, Geovane foi executado dentro da sede da Rondesp, às 21h daquele mesmo dia. “O corpo da vítima foi localizado no dia seguinte, em uma casa abandonada, e a motocicleta e o celular foram subtraídos pelos acusados”, diz a denúncia.

Inicialmente, três policiais responderam pelo crime. No decorrer das investigações, no entanto, a Polícia Civil encontrou indícios da participação de outros PMs na morte, na ocultação do cadáver e na manipulação de provas.

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