O prejuízo econômico começa a aparecer e já é estratosférico. Da ordem do trilhão de dólares. Mas os números não param de aumentar. Apenas no próximo semestre enxergaremos o Everest em toda a sua plenitude. E será espantoso. A economia planetária deverá suportar o golpe, mas já ninguém duvida que ela está levando um ippon universal. Quem será o mastodonte capaz de derrubar o mundo?
Desta vez, a economia é só um reflexo. A causa vem de outra parte. Sob qualquer aspecto que se olhe, a humanidade está passando por um período de medo. Primeiro, literalmente o medo da morte (cuja origem, nos dias que correm, é única para quase todos os terráqueos), e segundo o medo de ficar pobre, quebrar, perder a renda e até passar fome. Continuar vivo é a melhor opção, mas, segundo os prognósticos, será duro. Estaremos pagando o preço por algo de errado que fizemos contra a mãe Natureza? É um caso a se pensar, tendo em vista que ela não fala: envia sinais. E é bastante irônica. Por algumas semanas o céu ficará mais azul, graças a um patógeno assassino que paralisa chaminés e escapamentos. Goela abaixo, porque o ser humano a desdenha. É arrogante.
O ano de 2020 já é uma data de alta relevância histórica, sobretudo por sua perturbadora excepcionalidade. Provavelmente nenhum ser humano vivo testemunhou (ou imaginou testemunhar) os efeitos de uma pandemia global. Nem nunca imaginou que uma cápsula proteica invisível, formada de ácidos nucleicos e às vezes de lipídios e proteínas, cujo tamanho médio não passa de 150 nanômetros — ou seja, invisível até para os telescópios ópticos — fosse aquele “mastodonte”, com força suficiente para afugentar nossa complexa civilização. O homem está levando uma surra de um micro-organismo. Apesar de sua proverbial vaidade.
Um vírus — que em grego significa “veneno” — é tão estranho que nem sequer existe consenso se se trata de um ser vivo. Mesmo assim consideram-no um parasita. Não deixa de ser horripilante (e impressionante) a ideia de que desta vez um hospedeiro — portanto um parente de Alien — é o nosso inimigo comum, aqui como no Japão. Em outras palavras, estamos lidando com uma “criatura” biológica como nós.
O medo só não é maior porque essa coisa não tem o nosso tamanho para vermos o quanto sua aparência é asquerosa e nojenta. Sua fonte de energia e condições de replicação está em nossas células. Levou-nos, de fato, a uma guerra. A vida e a morte estão em jogo, e lágrimas correm aos milhares todos os dias há vários meses, em decorrência do ataque deste inimigo implacável. A expressão “hospital de campanha” — usada normalmente em conflitos armados, entre humanos — tornou-se parte de nossa rotina, no Brasil como nos Estados Unidos, nestes como na Itália ou Espanha. Gostamos de fazer comparações: pois bem, o número de mortos até a data de publicação deste texto corresponde já ao de militares norte-americanos mortos na Guerra do Vietnã, em 20 anos. Ou: um estádio lotado. Em quatro meses.
Algo está unindo a humanidade de forma assustadora, assolada de maneira brutal. Nem de perto se compara à gripe espanhola em 1918, mas a quantidade de contaminados já passa do milhão: a escala numérica que nos aproxima daquele outro vírus. Entre doentes efetivos e vítimas latu sensu, somos bilhões em todo o mundo. Pois o mundo parou como nunca se viu. Não há registro de coisa igual. Um dos três pilares da economia — a produção — estancou e ameaça colapsar, abaixo de seus dependentes. Até a grande indústria, excluindo a de alimentação, paralisou suas atividades. Foi freada por um “simples” parasita, que nos obriga a todos ficar em casa. Com medo. Se saímos à rua — é inevitável em alguns momentos da quarentena, pois carecemos de provisões — temos uma desconfortável sensação de estar levando um fantasma para dentro de casa, ao retornar para o abrigo.
A depender de quanto tempo isso dura, é previsível que o caos se instale. Que guerras civis explodam. Talvez não agora, mas numa pandemia mais prolongada, futuro adentro. Porque elas são cíclicas e só podemos nos preparar. Tentar, ao menos. Certos absurdos já são um fato, aqui e agora. É muito estranho, de repente e ao mesmo tempo, ver quase todas as atividades humanas pararem. Muito estranho saber que frotas inteiras de jatos comerciais estão no chão: é real. Muito estranho ver tantas pessoas usando máscaras, e você ser uma delas (o que estarão pensado disso os mendigos?). Muito estranho não podermos simplesmente nos encontrar com nossos colegas, parentes e, principalmente nosso pai, nossa mãe e nossos avós. Que mal poderia haver em gestos tão caros de simpatia e amor? Muito estranho ver as contas de água e energia, e até impostos!, serem suspensos. Muito estranho testemunhar o Estado, mesmo nas economias ultra-capitalistas, bancar a sobrevivência de maciços contingentes populacionais e de um percentual alarmante de empresas, obrigando-nos a rever certos conceitos. Não há um incêndio, uma torre caída, um bombardeio aéreo, nada… Bem, talvez haja um inusitado bombardeio aéreo.
Enfim, é muito estranho também você sair á rua em pleno meio de semana e encontrar as ruas desertas, como num gigantesco feriado meio apocalíptico. E, ao mesmo tempo, ter a sinistra certeza de que um certo exército está sendo mobilizado, e que seu esforço e suor heróicos triplicaram por nossa causa; a certeza de que as UTI’s estão a todo vapor, tanto quanto as funerárias.
Simplesmente impensável que coisas assim pudessem acontecer. Ou mesmo existir. É de fato assustador. Como numa distopia.
Fonte: Revista Bula