BRASIL

A “Roda Viva” da história em meio a disseminação do ódio

Estamos em meio a “uma roda viva”, exatamente como cantou Chico Buarque. Vertigens provocadas por desmontes, retrocessos, autoritarismos,
subversão dos valores, contaminações via o ódio às minorias ou àqueles que lutam por igualdade. Estes, curiosamente, estigmatizados como comunistas.

Essa vertigem sentida na “roda viva” de um Brasil República vem acompanhada de um “vento vocabular” mui revelador. É na escola, privilegiadamente, que aprendemos a utilizar um instrumento chamado dicionário, ajudando-nos, dentre outras coisas, a sorver palavras de modo categórico. Assim, conservamos as inestimáveis regras de nossa língua possibilitando interpretações e retóricas orientadas por uma rica gramática.

A vertigem da “roda viva” acompanhada pelo “vento vocabular” assume um espectro aterrorizante quando o próprio Ministro da Educação reintera a conjugação do verbo odiar. O verbo odiar é um transitivo direto com o significado de sentir aversão a algo ou alguma coisa, detestar e abominar, dentre outras maneiras de inserir nas nossas locuções. Dizer que odeia alguém ou alguma coisa é antes de tudo agredir o outro, ferir sua condição humana.

Assim, nos mostrou o Ministro ao dizer que odeia os povos indígenas, o povo cigano e, provavelmente, tantos outros povos.  A despeito da história de nosso país, em muitos livros didáticos ainda se fala que o Brasil foi descoberto. Mas, será mesmo? Não teria sido o que chamamos hoje de Brasil objeto de invasão? Os indígenas, povos ancestrais, já constituem vínculos com essa terra. Passamos, portanto, do momento de aprender a conhecer a história do Brasil de um modo menos autoritário.

O Brasil foi invadido! Os povos indígenas foram violentados. Tiraram seus bens, quiseram matar sua cultura, dilaceraram nações. Os europeus, sobretudo os portugueses, fizeram desses povos escravos, obrigaram a falar outra língua, impuseram valores culturais distantes. Os índios eram vistos como bons selvagens ou como obstáculos à chamada civilização.

A Pedagogia que se quer libertadora, propõe uma relação do ensinar e do aprender no processo de interpretar a história como uma práxis reflexiva que leva em consideração os atores envolvidos, nesse caso também a perspectivados que sofreram a violência da invasão.

Pois bem, estamos vivendo novas invasões numa ordem ideológica, que impacta instituições e que lega sulcos de alienação. Nessa nova invasão tiram tudo e aos mais “fracos” da sociedade, restam as “migalhas”. Ah! Num ar de perversa benevolência, oferecem “esmolas”, mas sem antes de pedir um pequeno favor: um voto nas próximas eleições.

Como se não bastasse, o abominável Ministro da Educação, o sr. Abraham Weintraub, afirma que as minorias são “privilegiadas”. Outro que entra nesse giro dessa roda é o sr. Italo Marsilli, uma figura bizarra, que vai as redes sociais gritar que os professores são uma classe de “burros” e “vagabundos”. Quanto ódio! Como será que esses cidadãos chegaram a tão
nobre cargo da República ou a funções públicas? Haveria uma intenção de
desmonte e destruição nesses atos? A “roda viva” e o vento vocabular que o
eco da conjugação “odiar” atualiza a violência de outrora.

E por falar em violência, (a)o professor(a) no Brasil, classe que não é devidamente valorizada, tem trabalhado tanto quanto outros profissionais
nesse tempo de pandemia, mas infelizmente sem o devido reconhecimento.
O(a)s docentes têm feito de suas salas de estar a sala de aula, têm aprendido
à fórceps a lidar com um aparato tecnológico, além de custear esses requisitos.

A professora, se antes trabalhava em casa, agora trabalha dobrado, vivenciando momentos estressores por não ser ouvida, não ter apoio e ainda por cima, vista como desqualificada e despreparada.

A “roda viva”, a conjugação do verbo odiar, a história mal contada sobre os povos indígenas, a invasão dos colonizadores e as novas invasões são vertigens que não param de assolar o povo brasileiro. Reconhecer esse movimento circular da “roda” traz o risco do niilismo, mas ao mesmo tempo pode nos libertar da ilusão de uma liberdade dada por outrem.

Não há privilégios para aqueles que mais precisam. O que existe na história do Brasil é uma absurda reprodução de desigualdades, uma usurpação de direitos e a marca da violência.

O desconforto de olhar para essa realidade nauseante, ajuda-nos a saber melhor da nossa história, impulsiona-nos a não aceitar gestos do abominável Ministro da Educação, incita-nos a reconhecer verdadeiramente o valor dos professores, fortalece-nos a lutar pela condição digna do trabalho docente e enche-nos de confiança, num esperançar, um mundo, por um Brasil, menos desigual, menos violento e com mais educação, saúde, assistência social, moradia e saneamento de qualidade.

A vergonha que se deve nutrir é por um país desigual e marcado pela exploração e violência. Essa é a nossa maior vertigem. Quanto ao ódio, esta é a conjugação dos covardes que se envenenam. A “roda viva”, embora circulante, é viva e vai se reinventando, e enquanto viventes do esperançar,
breve “eles passarão e nós passarinho”.

Texto de:
Clara Maria Miranda de Sousa
(Psicóloga, Pedagoga e Mestra em Formação Docente e Práticas
Interdisciplinares)

Marcelo Silva de Souza Ribeiro
(Dr. em Educação e Prof. da Univasf)
Pesquisadores no Laboratório de Estudos e Práticas em Pesquisa-Formação  (LEPPF).

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