No início do ano passado, Marcelo Freitas Henrique, 29 anos, estava cheio de esperanças de que deixaria os quase três anos de desemprego para trás. Prestes a concluir um curso de organização de eventos e recreação, estava fazendo trabalhos temporários na área e esperava que a experiência abrisse caminhos rumo a uma vaga efetiva.
“Quando comecei o curso, em 2019, o setor estava no auge, eu tinha certeza de que ia dar certo, mas veio a pandemia e ela [a empresa para quem prestou serviços] também parou. Parou tudo”, diz.
Ao todo, Henrique já está há quatro anos sem trabalho fixo, seja ele formal, seja informal. Como ele, outros 3,487 milhões de brasileiros estão desocupados há pelo menos dois anos, segundo dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) do primeiro trimestre de 2021.
O chamado desemprego de longa duração bateu recorde em meio à crise econômica gerada pela pandemia. Os quase 3,5 milhões de pessoas buscando vagas há dois anos ou mais representam o ponto mais alto da série histórica do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), iniciada em 2012.
O recorde anterior havia sido registrado no segundo trimestre de 2019, quando 3,347 milhões de trabalhadores estavam desocupados havia pelo menos dois anos.
No patamar atual, quase um terço (23,6%) dos 14,805 milhões de desempregados está nessa situação há mais de dois anos. Um ano antes, no começo de 2020, o Brasil tinha 3,075 milhões de pessoas em busca de emprego havia pelo menos dois anos. Isso quer dizer que, durante a pandemia, o grupo teve acréscimo de 412 mil profissionais, alta de 13,4%.
Para especialistas, o quadro é resultado de um mercado de trabalho que ainda não tinha se recuperado plenamente da crise anterior. Quando a pandemia começou, em março de 2020, o nível de emprego ainda estava em processo de melhora.
Para José Ronaldo Castro Júnior, diretor de estudos e políticas macroeconômicas do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a crise iniciada em 2015 chegou com mais força sobre o mercado de trabalho um ano depois. A recuperação, iniciada a partir de 2017, ainda não tinha sido suficiente para elevar o nível de emprego.
“Houve uma melhora leve, mas ainda tinha um contingente muito grande de pessoas sem ocupação. Para um conjunto considerável de pessoas, isso [o início da pandemia] foi um prolongamento da crise anterior”, afirma.
É essa também a avaliação do economista Rodolpho Tobler, pesquisador do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas). “O desemprego mais longo é resultado das duas últimas crises. A pandemia afetou diretamente o mercado de trabalho, mas já vínhamos em um momento que não era bom. Desde 2016, o Brasil tem mais de 11 milhões de desempregados [no total]”, diz.
“As pessoas que já tinham dificuldades para entrar no mercado ficaram com ainda mais dificuldades na pandemia.”
Para Tobler, o desemprego de longa duração é a fase mais crítica da desocupação. Ao ficar distante do mercado por muito tempo, o profissional tende a encontrar mais obstáculos para conseguir chamar a atenção em novos processos seletivos.
Marcelo Henrique queria trabalhar com eventos. Ele diz, porém, que, depois de quatro anos desempregado, aceita a vaga que aparecer.
“Trabalhei como operador de telemarketing por dois anos, então procuro nessa área. Só que, quando as pessoas veem meu currículo, acham ruim que eu não tenho outras experiências e estou sem nada há muito tempo, mas ninguém me contrata, como vou ter? Agora eu estou atrás de qualquer coisa, faxina, gari, aceito tudo.”
Castro Júnior vê ainda o risco alto de esse trabalhador desempregado há muito tempo migrar para o desalento, quando há a desistência na busca pela vaga. Ao fim do primeiro trimestre deste ano, 6 milhões de pessoas haviam desistido de procurar emprego.
“O outro efeito é a pessoa com certo nível de formação aceitar um função menor ou uma vaga de tempo parcial.”
Segundo a Pnad do trimestre encerrado em março, 5,6 milhões de pessoas passaram a integrar, em um ano, o grupo dos subutilizados.
Ao todo, são 33,2 milhões que estão desempregados, trabalhando menos de 40 horas semanais ou na força de trabalho potencial -quando há o desejo por uma vaga, mas não a procura, ou quando o trabalhador não pode preencher o posto de trabalho por qualquer razão.
O economista Ely José de Mattos, professor da Escola de Negócios da PUCRS, diz que, diante de maiores dificuldades em voltar ao mercado, o trabalhador vai em busca de alternativas, como a informalidade e o trabalho por conta própria.
“Há possibilidade de essas pessoas irem para uma situação de pobreza muito grave, dependendo do apoio de programas sociais, ou de migrarem para a informalidade. Agora, que tipo de trabalho será esse? Existe toda uma discussão sobre a qualidade dos negócios por conta própria.”
Na casa de Marcelo Henrique, a família tem conseguido se manter graças ao corte radical de despesas, aos trabalhos que o pai faz como serralheiro e à doação de cestas básicas de uma obra social.
No ano passado, os pais dele receberam o auxílio emergencial; em 2021, somente a mãe recebeu. Uma tia, que é pessoa com deficiência e vive sob os cuidados da família, recebe um benefício assistencial, que também entra no orçamento.
“A gente tem que se dobrar aqui até para pagar a condução para eu ir às entrevistas de emprego”, diz Henrique.
Segundo o IBGE, desempregados com tempo de procura por trabalho de um ano a menos de dois também bateram recorde no primeiro trimestre, com 2,557 milhões de pessoas nessa faixa. O número representa alta de 58,4% em relação a igual período de 2020 (1,614 milhão). Ou seja, teve incremento de 943 mil pessoas durante a pandemia.
Tobler, da FGV, diz que a reação do mercado de trabalho depende da retomada da economia como um todo. Para isso, afirma o pesquisador, é necessário que o país avance na vacinação contra o novo coronavírus.
A imunização é considerada essencial para diminuir restrições em setores como o de serviços, o maior empregador no Brasil. “A principal saída é o crescimento econômico, e o mais importante agora é acelerar a vacinação”, diz.
Para Castro Júnior, do Ipea, já é possível ver alguma recuperação de setores econômicos diversos. A fragilidade ainda vem dos serviços, segmento que inclui setores com funcionamento ainda restrito ou totalmente paralisado pela pandemia.
Estão nesse grupo bares e restaurantes, trabalho doméstico remunerado, e as atividades de turismo, eventos, shows e atividades culturais. “Esses setores dependem mesmo de a pandemia arrefecer, pois são atividades com ligação direta com aglomerações e que seguem impedidas de acontecer.”
Mattos, da PUCRS, defende a necessidade de um investimento em treinamentos, como as qualificações realizadas por instituições como Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), que permitissem a reciclagem das habilidades de trabalhadores desempregados há muito tempo. “Apostar em políticas de treinamento direcionado nunca é demais”, diz.