Nasceram no Brasil os primeiros filhotes de ararinha-azul reproduzidos por um casal que veio entre 52 exemplares repatriados da Alemanha no ano passado.
A espécie foi declarada extinta em solo brasileiro desde o ano 2000, quando a última ave foi avistada no ambiente natural. Há três décadas, não eram registrados nascimentos da espécie no país.
A ave foi descoberta no Brasil há 202 anos, em 1819, pelo naturalista alemão Johann Baptiste Ritter von Spix, mas a área de ocorrência permaneceu desconhecida até 1986, quando os últimos três exemplares foram redescobertos pelo ornitólogo Paul Roth. Depois, dois deles acabaram sendo contrabandeados.
A espécie é endêmica do bioma caatinga existente na região de Curaçá (a 594km de Salvador), no extremo norte da Bahia. Foi no ambiente de origem que Hope —“esperança”, em livre tradução para português— veio ao mundo, em 13 de abril, seguido pelos irmãos nascidos em 6 e 9 de junho.
Os pais de Hope foram cedidos pela ACTP (Association for the Conservation of Threatend Parrots) —associação alemã que detinha o maior número de espécimes vivos no mundo—, em março de 2020, após um acordo com o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
A repatriação faz parte do Plano de Ação Nacional para a Conservação da Ararinha-Azul coordenado pela responsável da Área Temática de Pesquisa, Monitoramento e Manejo do Núcleo ICMBio em Juazeiro (BA), a analista ambiental Camile Lugarini.
“O plano define as estratégias para retirar a espécie desse grau de ameaça, além de melhorar o estado de conservação dela, com objetivo de restabelecer essa população no ambiente natural”, explica Lugarini, que também é médica veterinária.
Para alcançar esse objetivo, foi criado um santuário que compreende um território de 120 mil hectares (ha), com duas unidades de conservação, o Refúgio de Vida Silvestre da Ararinha-Azul (29 mil ha) e Área de Proteção Ambiental da Ararinha-Azul (91 mil ha), entre Curaçá e Juazeiro (BA).
O responsável pela seleção dos casais compatíveis, com base na árvore genealógica das aves, foi o consultor especialista em nutrição de psitacídeos, o sulafricano Cromwell Purchase, que acompanha o grupo das 52 aves há cerca de dez anos.
Consultor do ICMBio, Purchase é o coordenador do Centro de Reprodução que fica instalado no refúgio, em Curaçá. A instalação foi financiada pela ACTP, numa parceria com outras instituições estrangeiras de preservação, em um investimento de R$ 4,5 milhões.
“Para nós, foi uma surpresa o nascimento desses filhotes em um período de pouco mais de um ano após a chegada ao Brasil”, disse Lugarini, ao informar que os animais repatriados tinham de 1 a 3 anos, faixa etária em que a espécie começa a se reproduzir.
“Geralmente, aos 4 anos é que elas começam a dar resultados na reprodução dos filhotes. Mas quando se tem um evento de transferência de plantel, elas têm que se acomodar. Por isso, no primeiro ano, elas não conseguem se reproduzir”, disse.A analista diz que há duas formas de parear as aves, uma por mapeamento genealógico, outra com um grande grupo para que os indivíduos escolham entre si. Além das ninhadas bem-sucedidas pelos pais de Hope, outro casal também chegou a acasalar, mas os ovos estavam inférteis.
“Ao longo da estação reprodutiva, vamos monitorando a compatibilidade de cada casal, para ver se está se reproduzindo, se está frequentando o ninho”, detalha. “Antes de Hope, um filhote da mesma família morreu porque os pais eram de primeira viagem e não sabiam cuidar”, completou.
A coordenadora diz que, embora ainda em cativeiro, os filhotes são criados como animais silvestres, com o mínimo de contato com humanos. “Para, assim, se acostumarem melhor ao ambiente natural e não fiquem suscetíveis à captura, quando estiverem livres”, afirma.
Além de numerados no livro genealógico, os animais que estão no refúgio possuem uma anilha de identificação ou um microchip para acompanhamento diário. Os filhotes são monitorados de hora em hora, com informações sobre peso e alimentação.
“Com 90 dias, os filhotes já devem ser capazes de se manterem equilibrados no poleiro e de se alimentarem sozinhos, sem interferência humana”, diz. “Os casais, como são territorialistas, são mantidos num recinto só para eles, com mais de dez metros de área de voo”, acrescenta.
Lugarini informa que os animais sob preparação para soltura na natureza estão juntos em um recinto com um grande grupo, para formar uma unidade coesa quando estiverem livres. Para o sucesso da missão, os pesquisadores contam com a ajuda de outra espécie de ave: a maracanã.
Foi com uma maracanã —presente em todo o Brasil— que o último exemplar de ararinha-azul pareou durante dez anos, até o seu desaparecimento. “As maracanãs serão as tutoras delas para a readaptação no habitat, pois têm os mesmos hábitos e sabem fugir dos predadores”, conta.
Para manter a espécie conservada após a soltura, foi criada uma força-tarefa que envolve desde o combate ao tráfico internacional de animais até a conscientização da população da região, que já tem demonstrado uma mudança de comportamento em relação à preservação.
“Percebemos uma resposta no comércio local, que já começou a aderir à figura da ararinha-azul, em Curaçá, nos estabelecimentos. A ave pode levar ao desenvolvimento socioeconômico daquela região muito afetada pela seca e com um dos menos índices de desenvolvimento humano”, analisa.
O ICMBio, prossegue Lugarini, tem trabalhado a restauração de habitat, que constitui a caatinga e a mata ciliar, em parcerias com instituições como a Univasf (Universidade do Vale do São Francisco), controle de espécies de plantas invasoras e manejo sustentável com comunidades de fundo de pasto.
A coordenadora antecipa que as aves estão sendo preparadas para soltura na próxima estação reprodutiva, que vai de novembro a março. “Não podemos cravar que vai acontecer, porque temos que ter todo o cuidado para evitar perdas, o que vai garantir o sucesso da operação”, pontua.
Fonte: Portal Conteúdo Animal