Pela primeira vez desde que o Instituto Datafolha começou a questionar os brasileiros sobre o tema, em abril de 2020, a maioria dos entrevistados se diz a favor da abertura de processo de impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Foram ouvidos de forma presencial 2.074 maiores de 16 anos, em todo o país, nos dias 7 e 8 de julho. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou menos.
Na rodada anterior, realizada em 11 e 12 de maio, os pró-impedimento haviam ultrapassado numericamente os contrários à ideia, mas ainda havia um empate técnico em 49% a 46%. Agora, a diferença aumenta.
É um processo recente, que reflete o adensamento da crise política combinada à tragédia sanitária da pandemia da Covid-19, que ceifou mais de 530 mil vidas desde o começo do ano passado.
O papel do governo federal no desastre está sendo esmiuçado pela Comissão Parlamentar de Inquérito instalada no Senado.
Há um rosário de más notícias para o Planalto entre a pesquisa de maio e a atual.
Foram descobertas suspeitas de negociações obscuras de vacinas inexistentes, com denúncia de cobrança de propina como revelou a Folha, e Bolsonaro virou alvo de inquérito por supostamente ter prevaricado ao citar seu líder na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), como o líder das irregularidades em questão.
Enquanto isso, houve um superpedido de impeachment no Congresso, jogado para a gaveta pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), prócer do centrão aliado de Bolsonaro e a pessoa a quem cabe encaminhar ou não o processo.
O superpedido reuniu argumentações de mais de 120 proposições semelhantes anteriores, que estão sem análise desde o tempo em que Rodrigo Maia (DEM-RJ) presidia a Câmara dos Deputados.
E houve protestos de rua, ainda mais circunscritos à esquerda, ganharam corpo em três ocasiões e levaram milhares de pessoas às ruas, algo que não se via há muito tempo no panorama brasileiro.
Até a pesquisa de 15 e 16 de março, a oposição ao impeachment, ou quase um empate técnico, dominava. Agora, a curva registrada em maio seguiu novo rumo.
O impedimento do presidente é alvo de discussões. Líderes centristas como Gilberto Kassab (PSD) e Michel Temer (MDB), bússolas do ânimo político majoritário, disseram recentemente à Folha que pode haver inevitabilidade se houver povo na rua, pressionando o Congresso.
Ao mesmo tempo, há temor de tumultos, pela disposição beligerante de Bolsonaro e seus partidários, que sempre apelam à ideia de confrontos e eventual uso de força armada para defender suas ideias.
Neste caso, a sangria de popularidade atestada pelo próprio Datafolha seria uma ideia menos traumática, o que agrada ao atual líder nas pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Defendem mais o impeachment mulheres (59%), jovens (61%), mais pobres (60%, no grupo mais volumoso da estratificação econômica da pesquisa, 57% da amostra) e moradores do Nordeste (64%). Esses dados seguem a linha das outras abordagens feitas pelo Datafolha sobre Bolsonaro neste levantamento.
Valores ainda mais altos de aprovação ao processo são encontrados entre os que se declaram pretos (65%) e homossexuais ou bissexuais (77%).
Já o apoio ao presidente se mostra maior entre mais velhos (49% de rejeição a processo), entre os evangélicos (56%), quem ganha de 5 a 10 salários mínimos (62%), mais ricos (59%) e os empresários (68%, mas um grupo com apenas 2% da amostra).
Regionalmente, a história de outros ângulos da pesquisa se repete aqui. Bolsonaro vê a rejeição ao impedimento ganhar por 52% a 46% no Norte/Centro-Oeste e registra um empate no Sul, com 49% para cada lado –as duas áreas são as mais bolsonaristas em todo o país.
A situação do mandatário é desconfortável, mas a história traz exemplos díspares.
Os dois presidentes que sofreram impeachment desde a redemocratização de 1985 tinham patamares mais altos de aprovação ao processo.
Fernando Collor (então no PRN) viu 75% da população pedir sua cabeça às vésperas da abertura dos procedimentos na Câmara, em setembro de 1992 –ele viria a renunciar após ser afastado para julgamento, tentando sem sucesso evitar a cassação de seus direitos políticos.
Já Dilma Rousseff (PT) teve de 63% a 68% de apoio a seu impeachment em três aferições feitas pelo Datafolha.
Ela acabou afastada em 2016, dando lugar ao vice, Michel Temer (MDB). Abatido por uma aguda crise política, o emedebista viu o pedido por seu impedimento ser feito por 81% dos entrevistados em junho de 2017.
Mas sua força congressual e ausência de movimento forte nas ruas, como ele mesmo disse, garantiram sua sobrevivência no cargo.