O governo Jair Bolsonaro (PL) passou a exigir que os estados informem o número de mortes provocadas por policiais em serviço e condicionou repasses de recursos públicos na área de segurança ao fornecimento dessas informações.
Os dados, porém, só devem ser sistematizados e ter vida própria a partir de 2023, após o término do atual mandato presidencial.
A decisão do governo de exigir os números está em uma resolução do Ministério da Justiça e Segurança Pública publicada no Diário Oficial da União no último dia 7. Os dados não serão computados como um indicador próprio.
“Na primeira fase do ciclo de implementação do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, as mortes por intervenção de agentes do Estado serão computadas dentro do indicador homicídio”, afirmou a pasta em nota à Folha de S.Paulo.
O plano citado foi atualizado em setembro, na gestão do ministro Anderson Torres. “O ministério trabalha, junto com as unidades da federação, para qualificar e padronizar a coleta e base de dados sobre as ocorrências dessa natureza para que elas estejam disponíveis no ciclo 2023-2024”, disse a pasta.
O ato que busca um maior controle estatístico da letalidade policial, com possibilidade de vedação de repasses de recursos públicos federais caso os dados não sejam fornecidos, contraria aspectos de um dos discursos mais frequentes de Bolsonaro: o de ampliação da licença para matar em serviço.
Bolsonaro e seu então ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro tentaram emplacar em 2019 uma ampliação do chamado excludente de ilicitude, previsto no Código Penal.
A proposta apresentada pela dupla ao Congresso previa que policiais deixassem de ser punidos se as mortes provocadas ocorressem sob “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. Os parlamentares rejeitaram a ideia.
O Código Penal prevê a exclusão de ilicitude, em que não se configura crime quando o fato é praticado em legítima defesa ou em cumprimento de dever legal. Mas o “excesso doloso ou culposo” deve ser punido, conforme a lei.
Hoje, Moro diz ser diferente de Bolsonaro e filiou-se a um partido -o Podemos- para tentar uma candidatura ao Palácio do Planalto. O presidente deve tentar a reeleição em 2022.
A resolução que passou a cobrar dados de mortes provocadas por policiais é a nº 6, de 8 de novembro de 2021, do Conselho Gestor do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública. Assina a resolução o diretor de Gestão e Integração de Informações, Nelson Gonçalves de Souza. A diretoria está vinculada à Secretaria Nacional de Segurança Pública.
O documento teve o aval do ministro Anderson Torres.
Pelas regras estabelecidas, os dados nacionais de segurança pública passam a contar com 28 “categorias”, entre elas morte por intervenção de agente do Estado. Devem ser categorizados também homicídios, latrocínios, feminicídios, mortes no trânsito, mortes e suicídios de policiais, roubos, tráfico e desaparecimentos, entre outros.
“Os estados, o DF e os órgãos integrantes do Susp [Sistema Único de Segurança Pública] deverão consolidar e homologar os dados nacionais de segurança pública”, cita a resolução.
A inserção dos dados no Sinesp (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública) deve ser feita mensalmente, com consolidação da informação dentro de um prazo de 90 dias.
“O integrante do Sinesp [ente federado] que deixar de fornecer as informações de que trata essa resolução não poderá receber recursos nem celebrar parcerias com a União para financiamento de programas, projetos ou ações de segurança pública e defesa e do sistema prisional”, diz o documento.
Conforme a resolução, que entrou em vigor na data de sua publicação, as mortes por intervenção de agentes do Estado devem ser informadas pelas unidades da federação, com base em critérios já previstos numa portaria de dezembro de 2018, último mês do governo Michel Temer (MDB).
A comunicação dessas mortes em boletins de ocorrência, segundo a portaria, inclui “intervenção de agente de segurança pública, do sistema prisional ou de outros órgãos públicos no exercício da função policial, em serviço ou em razão dele, desde que a ação tenha sido praticada sob quaisquer das hipóteses de exclusão de ilicitude”.
A resolução do governo Bolsonaro revogou regras editadas em 2015, no governo Dilma Rousseff (PT), sobre inserção de dados no sistema do Ministério da Justiça.
Para avaliação do uso dos recursos, o governo federal já levava em conta o fornecimento de dados referentes a quatro crimes (homicídio doloso, homicídio culposo de trânsito, latrocínio e lesão corporal seguida de morte), sem especificação sobre mortes provocadas por policiais em serviço.
A lei que instituiu o Susp, de junho de 2018, já condiciona repasses da União ao cumprimento de envio dos dados ao sistema nacional de informações. Esse sistema existe desde 2012, e há estados que enviam, desde então, dados das mortes por policiais.
Em setembro, a gestão de Anderson Torres atualizou dados do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social. No plano, válido de 2021 a 2030, foram ignorados metas e indicadores de mortes pela polícia.
A edição mais recente do anuário da ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública registra 6.416 mortes a partir de intervenções de policiais civis e militares em 2020. É o maior número desde 2013, quando o fórum passou a sistematizar esses dados, com base em dados dos estados.
A publicação de uma resolução que obriga envio de dados de mortes por intervenção policial é resultado dos trabalhos relacionados ao Plano Nacional de Segurança Pública, segundo o Ministério da Justiça.
Em 2018, houve um “passo inicial para a normatização da coleta dos dados”. “Agora, com a resolução nº 6, avançou-se ainda mais para aperfeiçoar as estatísticas criminais oficiais”, disse a pasta em nota.