O que você perguntaria a um bilionário que nasceu pobre e foi criado por uma mãe operária num cortiço do bairro paulistano do Brás?
Luiz Barsi Filho, 83, considerado uma lenda no mundo das finanças por ter feito fortuna a partir de um plano próprio de investimentos na Bolsa de Valores, está acostumado a responder como ficou rico aplicando no mercado de ações. Talvez por isso tenha decidido começar a entrevista por vídeo à Folha perguntando a idade do repórter.
“Você tem todo um universo pela frente. Tem que dar o primeiro passo, estudar bons projetos, e exorcizar uma série de dicas. Na Bolsa é assim”, aconselhou Barsi, após ouvir a réplica do entrevistador que, tendo passado dos 40, queria saber se ainda havia tempo para enriquecer.
Esmiuçar as próprias estratégias de investimento é algo que ele faz em detalhes na sua recém-lançada autobiografia “O rei dos dividendos”, pela editora Sextante. Imitá-lo, porém, requer disciplina, interesse e uma incomum capacidade de interpretar informações e números. Mas até para quem duvida da própria capacidade de se tornar multimilionário, as orientações são valiosas.
Esqueça o “day trade”, a moda que arrebata e normalmente frustra milhares de investidores de primeira viagem que esperam enriquecer especulando em um jogo de compra e venda de ativos em intervalos curtíssimos (às vezes, em minutos) enquanto observam gráficos para adivinhar para onde vão os preços.
Também não é a oferta do banco sobre um ótimo investimento em renda fixa —Barsi chama de “perda fixa”— ou qualquer recomendação sobre aplicação que não seja muito bem fundamentada que o ajudará a achar a trilha da prosperidade, garante.
“Eu não tenho nada contra o banqueiro, mas a gente precisa ter opinião própria. Eu vou dizer com todas as letras: nunca entregue o seu dinheiro sem que você participe, sem que você tenha uma explicação técnica, porque assim você nunca vai ganhar”, recomenda.
Barsi desconfia dos índices de correção. Anotando os preços que pagou pelos produtos que mais consome (isso inclui as próprias meias e a pasta de dente) em janeiro e repetindo a pesquisa em dezembro, ele faz o seu próprio IPCA (índice de preços ao consumidor, que mede a inflação oficial do país).
O índice Barsi costuma facilmente passar dos 20% ao ano e não tem CDB que entregue isso.
Comprar aos poucos e de forma constante papéis de empresas consideradas boas pagadoras de dividendos, além de não gastar dinheiro à toa, é a base do plano cujo objetivo inicial era apenas garantir uma aposentadoria farta. A fortuna de R$ 4 bilhões acabou saindo melhor do que a encomenda.
Barsi também não é do tipo que confia no governo e, por isso, deixou a Previdência de lado. “Como bom brasileiro, sempre contribuí [para o INSS] com o mínimo que a lei me permitia”, disse.
Nas páginas escritas antes do desfecho da eleição presidencial de 2022 cogitou repetir, a contragosto, o voto de 2018 em Jair Bolsonaro (PL). Preferia Sérgio Moro. À Folha, disse que não votou no último pleito porque teve o título eleitoral cancelado.
A convicção no plano de aposentadoria com base em ações de empresas foi reforçada durante o governo do ex-presidente Fernando Collor de Melo.
Barsi conta no livro que era visto como um apostador entre as pessoas com as quais convivia, mas o bloqueio das contas pelo governo Collor, no ínício dos anos 1990, fez muitos perceberem que a segurança da poupança, investimento mais popular do país, estava em xeque.
Rechaçando o rótulo de “mercado de risco”, ele explica que a Bolsa de Valores brasileira está repleta de ações cujos preços são inferiores ao valor patrimonial das empresas que elas representam, diferente do que ocorre em economias desenvolvidas.
“É preciso enxergar o óbvio e para isso é preciso estudar”, disse. “Uma ação do Banco do Brasil custa R$ 55 hoje, há um mês, valia R$ 30”, disse, sobre a cotação do dia para o ativo. “Você acha que alguém corre risco ao comprar uma ação do Banco do Brasil por R$ 55?”, perguntou. “Não é um mercado de risco, é um mercado de oportunidades.”
De olho na transição da economia global e no potencial de produção de energia de fontes limpas e renováveis, Barsi, que evita fazer recomendações, conta que tem investido em ações da AES Brasil. “Eu sei que você não estudou a Bolsa por 55 anos, como eu estudei, então, vou dar a carta marcada.”
Um leitor atento observará que as lições de Barsi não estão apenas nas páginas em que ele se dedica a fundamentar os porquês que o levaram a colocar determinadas ações e a excluir outras da sua carteira de investimentos.
Ao narrar sua trajetória profissional, que teve início como engraxate e baleiro de cinema ainda na infância, ele dá pistas de como desenvolveu a capacidade de lidar com números e, principalmente, de analisar a saúde financeira das empresas nas quais ele investe.
As finanças empresariais cruzaram definitivamente o caminho do menino do Quintalão, como era chamado o cortiço onde morava, quando ele tinha 15 anos de idade. Foi logo após iniciar um curso técnico da escola de comércio que ele conseguiu o primeiro emprego com carteira assinada, num escritório de contabilidade. “Aprendi na raça”, conta. Trabalhou de dia e estudou à noite, numa “rotina sacrificada, como a de tantos brasileiros”, como ele descreve.
Anos mais tarde, após pular de emprego em emprego para custear a formação superior em contabilidade e em economia, e já trabalhando à noite como professor e durante o dia como auditor que Barsi passou a “refletir sobre o que significa ser dono de uma companhia, sobre o que é bom ou prejudicial à saúde do negócio. E sobre algo maravilhoso: os dividendos.”
As histórias sobre a infância passada na escassez do Quintalão também revelam como a disciplina de Barsi foi forjada: era questão de sobrevivência.
Exemplo disso foram os anos de espera para provar os churros da doceria na rua Caetano Pinto, no Brás. Apesar de ter chegado no bairro ainda pequeno, só os provou no final da adolescência porque cada centavo importava e o doce era desnecessário. “Se eu fechar os olhos, consigo sentir o cheiro de açúcar e canela”, conta, no livro.
A vontade de melhorar de vida, reforçada todas as noites quando voltava ao Quintalão, foi o combustível que o moveu ao caminho do estudo e do trabalho para melhorar de vida. O medo de voltar a ser pobre o fez desenvolver a estratégia de investimento que ele tenta popularizar desde os anos 1970, quando materializou o ensaio cujo nome carrega como lema: “Ações garantem o futuro”.
Décadas mais tarde e muitos milhões depois, Barsi encerra a conversa dizendo que precisa incluir um adjetivo na sua frase mais famosa: “As ações garantem um ótimo futuro.”