A mineração teve início no Brasil no século XX, é considerada uma herança colonial devido às características que mantêm até hoje, baseada na concentração fundiária, uso de mão de obra precarizada, produção voltada para exportação, o que resulta em graves impactos sociais e ambientais e na solidificação de estruturas de poder econômico e político, tal qual no colonialismo.
Sua evolução foi marcada pelo avanço da tecnologia, passando da prática do garimpo artesanal para explosões de grandes massas rochosas e uso de procedimentos químicos e substâncias contaminantes como cianeto, mercúrio, ácido sulfúrico etc.
A formação de grandes capitais, especialmente a partir da ação de corporações transnacionais e multinacionais, é o que sustenta a mineração em escalas tecnológicas, girando em torno de um sistema produtivo que envolve, diretamente, aquisição de terras onde ficam situadas as minas, ferrovias, hidrovias, portos, além da articulação com outros segmentos como agro e hidronegócio.
Além de ser altamente arriscada à vida dos/das trabalhadores/as, a atividade mineral, seja ela legal e/ou ilegal, promove intensa degradação ambiental, inclusive é uma economia totalmente associada ao racismo ambiental e à existência de desastres, conforme o que o mundo tem assistido em diversos locais, a exemplo do estado de Minas Gerais nos últimos anos. No Brasil, de 2001 a 2021, 11 desastres foram computados, acarretando mais de três mil mortes, de acordo dados do estudo World Mine Tailings Failures, publicado pela Fase na Cartilha ilustrada para uma análise crítica do modelo mineral brasileiro.
Sabe-se que os minérios são necessários para a produção de diversos bens e serviços utilizados diariamente pelas diferentes classes sociais, a exemplo dos transportes, meios de comunicação, indústria, comércio, saúde, etc. Porém, o uso desenfreado destes, o consumismo, norteados pela lógica capitalista, exige um crescimento desmedido da exploração por parte das empresas, maior parte delas de origem canadense, conforme aponta dados reunidos pela pesquisadora Juliana Barros, professora da Universidade Federal do Recôncavo Baiano – UFRB.
Para se produzir um brinco de ouro de 1,5 grama, é preciso 363 toneladas de material retirado do subsolo; crianças de menos de dois anos seguram em seus colos celulares e/ou outros aparelhos que utilizam grandes quantidades de minérios em sua constituição; aumenta a cada dia a variedade de modelos de carros de passeios e esportivos que movimentam o mercado aumentando o capital dos grandes fabricantes; pequenos robôs se multiplicam nas residências apenas para evitar a pessoa levantar para acender uma lâmpada ou ligar um eletrodoméstico. Estes são apenas exemplos de que há hoje no mundo um consumo desnecessário de materiais minerais, o que vem provocando a superexploração e uma série de consequências ao planeta.
A maior parte da população, em geral por desconhecimento ou desinformação, não enxerga isso como um problema coletivo. Os governos, por sua vez, entendem que as commodities minerais são estratégias para os municípios, estados e o país crescerem economicamente, mesmo cientes dos prejuízos ambientais e socioculturais.
A comunidade de Angico dos Dias, em Campo Alegre de Lourdes, no norte da Bahia, a 827 km de Salvador, é hoje um caso emblemático de enfrentamento a problemas com mineradoras. A extração de fosfato tem tirado o sossego da comunidade tradicional de fundo de pasto, conforme informações da Diocese de Juazeiro e relatos de moradores/as da localidade. Outras comunidades do município estão ameaçadas, totalizando mais de 80% do município mapeado para mineração.
Mas, conforme levantamento feito pela Comissão Pastoral da Terra – CPT, além deste município que faz divisa com o estado do Piauí, os outros que compõem o território de atuação da Diocese também possuem atividade mineral e/ou em boa parte estão mapeados para pesquisa minerária. Na relação dos minérios encontrados nesta região estão: cobre, ferro, fosfato, manganês, níquel, ouro, quartzo, quartzito, granito, chumbo, lítio, calcário, além dos mais comuns, como areia e mármore.
Curaçá, município com estimativa de população superior a 35 mil pessoas e uma extensão territorial de aproximadamente 6 mil km², hoje possui 90% do seu território mapeado para mineração (mais de 622 mil hectares) de acordo com dados levantados pela CPT. Com esse mesmo percentual, Uauá possui mais de 276 mil hectares mapeados, o que pode impactar o Bioma Caatinga e diversas comunidades tradicionais que vivem nesses territórios.
A partir do referido levantamento, observa-se que nos dez municípios que fazem parte da Diocese de Juazeiro, mais de três milhões de hectares possuem títulos minerários ativos, que vão desde a fase de requerimento da pesquisa para a exploração mineral, passando pela concessão de lavra até chegar ao funcionamento de fato das mineradoras. Com relação ao tamanho das áreas mapeadas, tendo em vista as áreas territoriais dos municípios, em ordem decrescente destacam-se: Curaçá, Uauá, Juazeiro e Campo Alegre de Lourdes.
Falso desenvolvimento-Ao contrário do argumento político de que a atividade mineral garante sustentabilidade econômica, de acordo com o Governo Federal, foi apenas em 2020 que o setor passou a ser responsável por 2,5% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional. Isto depois de o Governo Bolsonaro ter registrado o maior número de outorgas desde 1988, aumentando significativamente a destruição ambiental e contabilizando o aumento de 91% da exploração em terras indígenas.
Um empreendimento mineral se estabelece em um município e opera em média 30 ou 40 anos, segundo dados da CPT. É comum nesta temporada, desde a fase de pesquisa até encerrar a operação, provocar destruição de bens naturais como serras, florestas, mananciais, além de provocar problemas de saúde à população que convive mais próximo dos locais minerados e acirrar conflitos no campo, impactando povos e comunidades tradicionais.
As famílias de Angico dos Dias convivem com essa realidade desde 2005. De acordo com o presidente da Associação de Fundo de Pasto da localidade, Edinei Soares, a empresa Galvani, para garantir a extração do fosfato, tem destruído a Caatinga e reservatórios de água, além de trazer prejuízos à saúde das pessoas que são obrigadas a conviver com a poeira durante as 24h diárias de operação. A exploração mineral em Angico dos Dias também está ligada à grilagem de terras e acirramento de conflitos internos na comunidade, conforme relatam os/as moradores/as do território.
Apesar da instalação da Galvani há quase duas décadas, Campo Alegre de Lourdes, dos municípios do Território Sertão do São Francisco com maiores dificuldades de acesso a direitos essenciais como água potável. Situação semelhante no estado é o município de São Francisco do Conde, que possui forte presença do setor mineral, no entanto, é um dos municípios mais pobres do país.
Percebe-se que as grandes vantagens propagandeadas atendem apenas aos interesses dos investidores, uma vez que o saldo que fica para o município não é dos melhores. Em geral, os recursos oriundos dos royalties que entram nos cofres da prefeitura não são usados nem para sanar os problemas causados à população ou mesmo para manter Unidades de Saúde nas próprias comunidades. Ou seja, a conta não fecha.
Um estudo realizado na região do Sertão do São Francisco/BA pela pesquisadora Maryangela Ribeiro, da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, aponta que a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais – CFEM “na forma operada, não é eficaz na promoção de melhorias do bem-estar social das populações de municípios mineradores, (…) o que nos leva a afirmar que não há certeza quanto à natureza de política pública compensatória à população dos municípios impactados”. Segundo a pesquisa, não há apontamentos referentes a utilização dos recursos em “aumento proporcional aos investimentos na saúde e na educação municipal (…) além do que inexistem informações transparentes nas Prefeituras Municipais sobre o uso e a destinação deste recurso”.
Se o custo benefício não é favorável ou os recursos não chegam para a sociedade em forma de compensação, a mineração não é, portanto, sinônimo de crescimento socioeconômico para os entes federativos. Contudo, as notícias referente às investidas dos governos e mineradoras se multiplicam a cada dia.
Violência Institucional-Uma das primeiras estratégias das empresas antes de se instalarem em determinado local é comprar as terras mapeadas para mineração. Isso é necessário porque o subsolo pode ser explorado com autorização da União, mas é preciso adquirir as áreas para assim ocupar a superfície. No entanto, muitas dessas áreas são terras públicas devolutas e estão ocupadas por uma diversidade de comunidades camponesas.
Quando não conseguem comprar essas terras, muitas empresas acabam utilizando do artifício da grilagem de terras e/ou desrespeitando os direitos socioterritoriais das comunidades onde pretende-se instalar o empreendimento. Direitos como a consulta prévia, livre e informada, prevista na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, da qual o Brasil é signatário, são atropelados pelo avanço desenfreado do setor mineral.
Depois de instalada, a tendência é que a empresa mineradora sempre se expanda, pois a mineração não é uma atividade que compreende apenas a extração de minério. As áreas são usadas também para construção de estradas e ferrovias, já que o minério só tem valor se for vendido e para isso precisa ser transportado. O investimento em ferrovias é maior devido ao baixo custo deste tipo de transporte.
Se colocar contrário a essas investidas é algo necessário para quem vive do que a natureza oferece, porém pode custar a própria vida. Em muitas regiões do Brasil registram-se, inclusive, conflitos com vítimas fatais, em geral pequenos/as produtores/as rurais, indígenas, membros de comunidades tradicionais.
Todas as ameaças e impactos que a mineração causa tem alertado muitas comunidades e levado-as a resistir à instalação de mineradoras em seus territórios, ainda que em alguns momentos pareça uma luta difícil. “Nós trabalhadores tem um grande sentimento, a gente sabe que as terras pra gente plantar o milho, o feijão, a mandioca, tirar o mel, as mineradoras não deixam mais fazer isso, (…) então o sentimento é triste”, relata Ricardo Barrense, trabalhador rural de Pilão Arcado, na Bahia.
Enfrentamento-Para fortalecer a discussão acerca do tema, a CPT Juazeiro realizou nos dias 18 e 19 de maio um seminário que teve como tema “A quem interessa a mineração?”. O evento reuniu lideranças comunitárias e estudantes de comunidades hoje atingidas ou ameaçadas pela mineração na referida região. Na oportunidade, foi apresentado o cenário da mineração na América Latina e no Brasil, com destaque para as experiências desastrosas em Minas Gerais, bem como trouxe um olhar para dados regionais.
Presente no evento, o agricultor Márcio Liberato, da comunidade Retiro de Baixo, em Sento Sé, diz que há dois anos convive com a presença da Tombador Iron Mineração em sua comunidade e no entorno. Junto com ela chegaram “promessas de muita riqueza, desenvolvimento, bem estar, qualidade de vida para a sociedade como um todo, essas melhorias que eles costumam comentar para fisgar as pessoas”, relata Márcio, afirmando que, na prática, o que se tem são injustiças sociais.
O impacto da extração de minério de ferro causado diretamente a uma média de 11 comunidades rurais de Sento Sé motivou, no início deste ano, manifestações como bloqueio de estradas – que paralisou as atividades da mineradora por 12 dias, divulgação na mídia e adesão de dezenas de pessoas ao movimento. Mas, segundo Márcio, a empresa não se dispôs a dialogar e conta com apoio do poder público local.
Outras ações têm sido realizadas pelas comunidades, a exemplo de processos nos Ministérios Públicos, romarias, debates, reuniões, ações diretas e outros instrumentos legais, etc, com intuito de garantir os direitos das comunidades e traçar estratégias para evitar a chegada destes empreendimentos em seus territórios, entendendo que depois que se instala fica mais difícil reverter os prejuízos.