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Livro detalha disco de críticas sociais que conseguiram hits dos Paralamas do Sucesso

O álbum Selvagem? , dos  Paralamas do Sucesso , é um daqueles discos do rock nacional oitentista que jogam luz sobre o que pensava do País uma geração musical emergida no período inicial da redemocratização. 

Lançado em 1986, o trabalho tem músicas de cunho social, que se tornaram sucessos, pela boa combinação de letras mais acessíveis e diretas com uma ótima construção sonora. É o caso das canções Alagados , Teerã , A Novidade e Selvagem .

Os Paralamas do Sucesso: Selvagem? (Cobogó; 168 páginas), de Mario Luis Grangeira, detalha a construção do terceiro álbum da banda, considerado um marco também por deixar de lado as influências musicais inglesas – que alimentaram a geração do rock dos anos 1980 – e incorporam africanidades e seus últimos , especialmente o reggae.

O autor, doutor em sociologia, faz uma boa contextualização naquele tempo, com as liberdades ainda na berlinda e a democracia sem solidez. O álbum de Herbert Viana (voz e guitarra), Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria) surgiu nesses tempos com misto de (alguma) esperança e (muita) desconfiança.

Como Grangeira descreve no livro, Alagados fala da exclusão na cidade e a fé, Teerã da infância nas ruas, A Novidade da desigualdade, e Selvagem da falta de liberdade e do racismo. Apenas a canção A Novidade não é dos três Paralamas, mas de Gilberto Gil, que participou do disco na faixa Alagados .

As letras com ares atemporais são de Herbert Viana, sem panfletarismo.Em Alagados , o guitarrista cita Favela da Maré porque ficava no seu caminho da faculdade, quando estudava arquitetura (antes de desistir do curso) na UFRJ, na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro.

O vocalista, na construção de letra musical, tem apego a imagens, à crônica cotidiana, a sentimentos e sensações – impulsos despejados em “Palafitas, trapiches, farrapos/ Filhos da mesma agonia” (de Alagados), “Se essas crianças vão sempre estar / Pedindo trocados pros vidros fechados” (de Teerã ) e “O governo apresenta suas armas/ Discurso reticente, novidade inconsistente” (de Selvagem ).

No disco de 10 faixas, a canção O Homem (Bi e Herbert) talvez possa entrar nesse rol crítico, com reflexão existencial profunda, ressaltada no livro.

No álbum clássico produzido por Liminha, manteve-se a irreverência, marca daquela geração, com a Melô do Marinheiro (letra de Barone) e sua versão instrumental no mesmo disco, a Marujo Dub – citação ao dub remete aos efeitos na faixa do gênero considerado precursor do reggae.

A Dama e o Vagabundo (Bi e Hebert) e a música em inglês de Herbert Viana Há uma Festa siga a linha mais romântica-juvenil, outra característica da geração.

O disco fecha com regravação de Você (“Você/ É algo assim/ É tudo pra mim…”), de Tim Maia. Aqui, o autor Mario Luis Grangeira relata a canção à extrema capacidade de Herbert Viana de produzir canções nessa linha, reconhecimento que veio muitos anos depois.

O músico é de fato um dos grandes compositores brasileiros – assim como Bi é um dos grandes baixistas do País e Barone um dos principais na bateria. Exalta-se o fato de estarem aí, os três, há mais de 40 anos na estrada. Essa entusiasmo de talentos incentivou a produzir um disco como Selvagem? , um exemplo bem acabado de quando letra, melodia, arranjos e inovação se juntam.

O livro volta no fim à reflexão do que foi aquela geração para a história da música brasileira. Liberdades ali foram reivindicadas em meio ao contexto de redemocratização. A obra ajuda a dissipar uma dubiedade existente sobre o rock nacional surgido naquele período.

Vale citar que o autor de Os Paralamas do Sucesso: Selvagem? renunciou a seu percentual de direito autoral sobre o livro em benefício do Curso InVest, pré-vestibular comunitário no Rio.

Fonte: Carta Capital