BAHIA

Auditoria aponta irregularidades de R$ 26 milhões na Bahia Pesca

Uma auditoria realizada pelo Ministério Público de Contas (MPC) identificou irregularidades em contratos firmados entre 2013 e 2016 pela Bahia Pesca com o Instituto Cátedra e a Fundação ADM, ambas ligadas ao PP durante o período.

De acordo com o órgão, o montante pago em oito contratos firmados – seis deles com a Cátedra e outros dois com a ADM – representam R$ 26.044.088 milhões, o que contempla também um convênio de R$ 170 mil, firmado em 2013.

Em sessão plenária virtual da última terça (2), o Tribunal de Contas do Estado (TCE) decidiu acatar a sugestão feita pelo procurador-geral Antônio Tarciso Souza de Carvalho, em 30 de outubro do ano passado, e juntou as informações apuradas pelo MPC aos processos de prestação de contas da Bahia Pesca referentes a 2014, 2015, 2016 e 2017.

No segundo semestre de 2017, o jornal Folha de São Paulo revelou na época que o Instituto Cátedra – no período comandado por Marivaldo Xavier de Castro, líder comunitário e anteriormente candidato a vereador e deputado pelo PP – firmou, entre 2013 e 2017, contratos com o governo do Estado que somavam R$ 28,6 milhões.

Seis dos nove contratos, de acordo com o que havia sido apurado na época, foram firmados justamente com a Bahia Pesca. Entre 2013 e 2014, a empresa era comandada por Cássio Peixoto, ex-secretário de Infraestrutura Hídrica. Peixoto era considerado homem de confiança do ex-ministro Mário Negromonte.

A partir de consulta do CNPJ do Instituto Cátedra no portal da Receita Federal é possível constatar que Xavier segue como presidente da organização ainda hoje.

Pente-fino

Ao analisar os contratos, o MPC destacou, entre outros problemas, irregularidades no que tange à fase de liquidação dos acordos; utilização de diárias como forma de remuneração de funcionário; fragilidades e falhas de controle em relação aos contratos; inobservância aos requisitos e procedimentos que disciplinam contratações públicas; e realização de pagamentos em duplicidade ou indevidos.

O documento usa termos como “divergências”, “obscuridades”, “inconsistências” e “imprecisões” para descrever essas transações, salientando que as irregularidades mais graves foram identificadas de forma reiterada – “quase que ipsis litteris” – nos ajustes examinados.

O TCE também acatou opinião do órgão ministerial referente a instauração pela corte de um procedimento próprio para apurar, e quantificar o dano causado ao erário, em um contrato firmado com a Fundação ADM em 2015. Este acordo teve o objetivo de subsidiar a prestação de serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) a pescadores e aquicultores, por meio da execução do programa Vida Melhor.

A iniciativa busca promover o desenvolvimento das comunidades pesqueiras no estado e tem valor global de R$ 30.198.783,12 milhões. No período examinado pela auditoria do MPC, R$ 14.806.447,64 milhões já havia sido pagos. O resultado da apuração que será realizada pelo TCE será inclusa no escopo do exame das contas de 2014 a 2017.

Uma segunda reportagem publicada pela Folha, também há três anos, explicava que a Fundação ADM havia substituído o Instituto Cátedra na prestação de serviços de assistência técnica rural a pescadores.

Na época, a publicação afirmava que o irmão de Negromonte, Agnelo Mendes Negromonte, então vice-presidente do diretório municipal do PP, havia sido contratado pela ADM. Da mesma forma, a fundação também contava com Karine Pepe de Sousa Leão, sobrinha do vice-governador João Leão, em seu quadro.

Antes disso, ela prestava serviços ao Instituto Cátedra.  A fiscalização realizada pelo MPC contemplou ainda ajustes firmados entre 2013 e 2017 pela Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) e as secretarias de Planejamento (Seplan), Desenvolvimento Rural (SDR), Saúde (Sesab) e Administração (Saeb), com as duas entidades.

Ao todo, a auditoria identificou 18 acordos, dos quais foram efetuados pagamentos no montante de R$ 10.649.297,18 e R$ 28.810.275,74, respectivamente para o Instituto Cátedra e a Fundação ADM.

Essa fiscalização foi fruto de uma determinação do TCE, cujos conselheiros decidiram de forma unânime, em 2017, que fosse realizada uma auditoria especial nos convênios e contratos – bem como eventuais aditivos – firmados pelo Estado com a Cátedra e a ADM.

Na ocasião, foi destacado que fossem verificadas especialmente atividades da administração da Bahia Pesca S.A para o ressarcimento ao erário do valor pago a mais, ou em duplicidade, à Fundação ADM, em salários e encargos trabalhistas firmados em 2015.

Segundo documento do Ministério Público de Contas obtido pela reportagem do BNews, os autos analisados informam que alguns dos ajustes celebrados no período analisado pela auditoria, tiveram suas irregularidades atestadas também pela 3ª Coordenadoria de Controle Externo (3ª CCE), e por outras quatro Coordenadorias do TCE – 2ª, 4ª, 5ª e 6ª CCE’s.

Pagamento em Duplicidade

Tanto o parquet quanto a 3ª CCE dão ênfase em suas conclusões ao contrato nº2, firmado entre Bahia Pesca e Fundação ADM para prestação de serviços de Ater.

Entre os problemas identificados pela auditoria do MPC ao analisar o acordo estão o pagamento em duplicidade referente aos salários de março, no montante de R$ 738.872,70; o repasse de valores sem elementos que identifiquem a parcela à qual pertenceram; inconsistência entre valores apresentados nas faturas, nos demonstrativos mensais, e os efetivamente pagos – bem como entre o período do serviço prestado informado nestes documentos; pagamento de faturas com informações inconsistentes; e faturas e demonstrativos mensais com valores divergentes.

O documento elaborado pelo parquet aponta fragilidade na liquidação das despesas do contrato, decorrente da ausência de descrição detalhada dos serviços prestados e dos valores individualizados nas faturas. O órgão também indica que não foram apresentadas as planilhas de custos.

“Deixaram de ser informados os tipos de serviços executados consoante o Plano de Trabalho proposto, a quantidade e o valor individualizado desses serviços, tendo sido apresentado apenas o valor total da fatura a ser paga. Na auditoria das Contas de 2015 verificou-se que as faturas continuaram a ser apresentadas sem a descrição detalhada dos serviços prestados e dos valores individualizados, contudo, nos processos de pagamento já constam as planilhas de custos informando de forma detalhada os serviços executados”, destaca o documento.

O MPC argumenta que a identificação do credor, bem como o reconhecimento do débito, com especificação de seu montante, é o momento propício à adoção de “medidas administrativas preparatórias” tanto à liquidação, quanto ao pagamento. O órgão também explica que liquidar despesa equivale a atestar que o serviço foi prestado – ou declara que uma determinada mercadoria foi fornecida – nas exatas condições descritas no contratado.

“Em síntese, restou demonstrado nos autos que despesas públicas foram executadas sem a necessária aferição do efetivo cumprimento de obrigações contratuais formais e materiais, na forma estabelecida na legislação pertinente”, conclui.

A unidade técnica também apurou gastos no montante de R$ 697.320,27 mil, a título de pagamento de Taxa de Administração em favor da Fundação ADM. O repasse aconteceu, de acordo com o promotor, mesmo que o custo não estivesse definido pelo edital da contratação, ou do plano de aplicação, trazido pelo Plano de Trabalho apresentado pela contratada.

Durante inspeção realizada em 2015, a 3ª CCE identificou a incidência de taxa de administração não prevista no edital que deu origem ao contrato nos pagamentos relativos aos meses de fevereiro e março daquele ano.

Mediante correspondência, o então gestor da Bahia Pesca, Dernival Oliveira Júnior, declarou em outubro de 2015 que a proposta técnica e de preços apresentadas pela Fundação ADM foi composta por proposta técnica e plano de trabalho que previam “todo e qualquer custo” para a realização das ações previstas no contrato celebrado com a Bahia Pesca.

Oliveira Júnior afirmou que a taxa de administração correspondeu à “remuneração direta da instituição” para execução dos trabalhos. Contudo, a 3ªCCE reportou que a falta de correspondência entre os itens das despesas indicados no plano de aplicação e nas planilhas de custos apresentadas havia impossibilitado a acareação dos documentos citados.

“Não há como constatar a sua regularidade, pois não está prevista remuneração direta no respectivo contrato, assim como não consta no Plano de Trabalho proposto”, concluiu a 3ª CCE no período. No entendimento do MPC, os valores da Taxa de Administração não deveriam ter sido pagos, uma vez que a despesa não foi formalmente prevista, e que o gestor deve ressarcir os cofres públicos com o montante que julga ter sido pago indevidamente.

No último dia 12 de fevereiro, a 3ª Coordenadoria de Controle Externo do TCE também deliberou nesse sentido, mas pontuou que o valor indicado pelo MPC precisa ser ajustado de R$ 697.320,27 mil para R$ 541.410,46 mil – uma vez que parte do montante já foi objeto de imputação de responsabilidade em outra ocasião.

Outro Lado

Procurada pela reportagem para se manifestar a respeito dos conclusões da auditoria do MPC, a Bahia Pesca negou que tenha ocorrido pagamento em duplicidade no valor de R$738.872,70. O posicionamento da empresa foi encaminhado à reportagem no início da tarde da última terça – antes do julgamento realizado pelo TCE.

“A parcela referente à execução contratual no mês de março foi paga apenas uma vez. O que realmente ocorreu foi que a Fundação ADM não pagou o salário referente ao mês de março aos seus prestadores de serviço, restando à Bahia Pesca efetivar o referido pagamento via mediação no Ministério Público do Trabalho (MPT)”, disse por meio de nota.

A reportagem de 2017 da Folha de fato cita essa questão. A assessoria da Bahia Pesca, explica que todos os valores pagos, resultantes da referida mediação trabalhista, foram devidamente deduzidos dos “valores residuais do contrato conforme demonstrado ao TCE-BA”.

Quanto aos pagamentos sem elementos que identifiquem a parcela à qual pertencem, nas palavras do parquet de contas, a empresa diz que estes dizem respeito aos meses de novembro e dezembro de 2015. Estes foram pagos com atraso, em março de 2016, segundo a Bahia Pesca.

“Esse pagamento não ficou devidamente esclarecido nos documentos que formam o processo administrativo, mas a Bahia Pesca já prestou os devidos esclarecimentos aos órgãos fiscalizadores”, acrescenta.

Já sobre possíveis inconsistências entre valores apresentados nas faturas, ou demonstrativos mensais, e os valores efetivamente pagos, a assessoria argumenta que a divergência entre os valores apresentados ocorreu porque algumas faturas foram pagas com atraso.

A divergência teria sido sanada com o relatório de prestação de contas do contrato e com a respectiva liquidação dos valores devidos.

Por fim, sobre a existência de faturas e demonstrativos mensais com valores divergentes, a Bahia Pesca alegou que as discrepâncias ocorreram também porque algumas faturas foram pagas com atraso. A empresa ainda negou que exista inconsistência entre o período do serviço prestado informado nos demonstrativos mensais, faturas ou pagamentos destas faturas.

Fonte: Bnews

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