Uma petição online que já reúne mais de 46 mil assinaturas no Brasil, França e Estados Unidos quer impedir a construção de um complexo eólico em Canudos, na região da caatinga baiana, a 400 km de Salvador. O argumento é que o empreendimento, liderado pela multinacional francesa Voltalia, pode colocar em risco a vida das cerca de 900 araras-azuis-de-lear que habitam a região. A espécie está em perigo de extinção e é endêmica da caatinga brasileira, ou seja, não é encontrada em outros locais do país e nem do mundo. No Brasil, existem apenas 1.800 indíviduos dessa espécie.
A região onde o complexo será construído engloba a Estação Biológica de Canudos, área de preservação da arara-azul-de-lear instituída pela Fundação Biodiversitas, que se dedica à conservação de espécies ameaçadas de extinção há cerca de 30 anos. No projeto, está prevista a instalação de 81 turbinas eólicas, divididas em duas fases. O complexo deve ter, ainda, uma rede de transmissão de energia de 50 km, adentrando o município de Jeremoabo, que venderá toda a eletricidade produzida no local à Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig).
Gláucia explica que é importante que o país substitua energia proveniente de combustíveis fósseis por matrizes mais sustentáveis, como a solar e a eólica, mas que esse movimento não pode ser feito colocando em risco a vida de animais. “A energia eólica é uma matriz sustentável e a Biodiversitas é a favor disso,mas nós ficamos preocupados porque a área de construção fica exatamente na rota que a espécie utiliza e as usinas eólicas trazem muitos prejuízos para os animais voadores. No Brasil, a gente não tem tradição de monitoramento desse impacto, mas, em países que fazem esse monitoramento, os números de mortalidade provocada por acidente nas usinas são muito altos”, destaca.
Divergências
Segundo a Biodiversitas, um dos pontos que mais chama a atenção sobre o empreendimento é que a Voltalia não precisou apresentar para o Instituto Do Meio Ambiente E Recursos Hídricos (Inema) um licenciamento ambiental completo para obter a permissão para a obra. Uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabelece a exigência de Estudo de Impacto Ambiental completo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), além de audiências públicas, para plantas eólicas que estejam situadas em “em áreas de ocorrência de espécies ameaçadas de extinção e endemismo restrito”.
“O que mais nos assusta é que a empresa foi dispensada de fazer um estudo completo prévio. O Inema não solicitou o estudo antes de conceder a licença de instalação. Nós fizemos um ofício para o Inema questionando isso, já que existe uma legislação no Brasil que é muito específica quanto à necessidade desses estudos completos em empreendimentos eólicos onde haja animais de espécie ameaçada. Até agora, não obtivemos nenhum retorno”, aponta Gláucia.
A Fundação defende que os estudos sejam feitos para que seja possível apontar os impactos da construção do complexo eólico e que providências sejam tomadas. “O ideal é que a empresa mude a localização do complexo, mas a partir dos estudos é que vai ser possível definir isso. Se não tiver estudo, o risco é muito grande porque o potencial de impacto é nítido. Nós estamos abertos ao diálogo, mas não vamos abrir mão de insistir para que a legislação seja cumprida”, finaliza a bióloga.
O que diz a empresa?
A empresa Voltalia Energia do Brasil enviou uma resposta aos assinantes da petição afirmando que “possui todas as licenças necessárias para a fase atual do parque eólico e que já realizou e permanece realizando diversos estudos para avaliação e monitoramento de potenciais impactos na região, com propostas de ações de controle e preservação, reafirmando seu compromisso com o meio ambiente”, diz a resposta.
A Voltaria acrescenta que está ciente da petição e aberta ao diálogo. Além disso, reforça que “é produtora de energia limpa, com projetos alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, e reforça o seu respeito à biodiversidade e ao Brasil, país onde está presente há mais de 15 anos”.
O CORREIO procurou o Inema, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Secretaria de Meio Ambiente da Bahia e o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), mas não obteve resposta até a conclusão desta reportagem, ás 23h30 desta terça-feira, 06.
A energia eólica na Bahia
De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do estado (SDE), a Bahia se manteve líder na geração de energia elétrica a partir das fontes eólica e solar no país em 2020. Pelo segundo ano consecutivo, o território baiano ocupou a primeira posição do ranking nacional na produção em ambas as fontes renováveis. De toda a energia gerada no país, 30% vem da Bahia. Estima-se que 15 empregos são gerados por cada megawatt de potência em toda a cadeia produtiva da energia eólica. Até março deste ano, a Bahia somava 185 parques eólicos e possuía outros 76 em andamento.
“No ambiente de energias renováveis, temos uma coisa chamada fator de capacidade. Isso é o quanto você consegue transformar em energia elétrica, da energia presente, seja no sol ou no vento. Então, no caso de energia eólica, a média mundial é de 25%. Na Bahia, a média fica em torno de 50%. E a gente já teve momentos em que a gente conseguiu fatores de capacidade de 80%”, ressalta Paulo Guimarães, superintendente de Atração de Investimentos e Fomento ao Desenvolvimento Econômico, no SDE.
Na fonte eólica, o estado gerou 12.590,21 GWh de janeiro a setembro de 2020, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). O inicio das atividades de 17 novos parques neste ano ajudaram na permanência do primeiro lugar na produção energética a partir da fonte dos ventos no Brasil. Os empreendimentos que entraram em funcionamento foram Caititu 2 e 3, Carcará, Casa Nova A, Corrupião 3, Serra do Fogo, Serra do Vento e Ventos de São Januário 01, 03, 04, 05, 06, 13, 14, 20, 21 e 22 localizados em Pindaí, Casa Nova, Sento Sé e Campo Formoso, respectivamente. Chegando a um total de 182 parques em operação comercial distribuídos por 20 municípios.
Doutor em Energias Renováveis e professor dos cursos técnico e superior nesta área no Instituto Federal da Bahia, Durval de Almeida explica que o tamanho do território da Bahia a coloca nessa preponderância em relação aos demais estados da região. Mas não só por isso. A existência de um forte corredor de ventos de baixa altitude que vem de Minas Gerais e atravessa a Bahia faz com que ela tenha um potencial muito acima. Quando projetos de obras saírem do papel, o estado pode ser imbatível.
“Somos um estado com um potencial absurdo, gigantesco. Não vejo país no mundo que tenha essa capacidade de geração que temos”, diz.
Além disso, o especialista destaca a geração de empregos com a necessidade da diversidade de mão de obra no setor. “A geração de emprego fomentada pelos empreendimentos eólicos começam desde a caracterização dos ventos da região – gerando emprego para instaladores de torres de medição anemométrica, coletores de dados anemométricos – passando pelo arrendamento de terras dos produtores agropecuários locais, pela análise de estudos de impactos ambientais, pela obra civil e mecânica do parque – onde é gerado a maioria dos empregos com bastante absorção da mão de obra local, pela operação e manutenção dos parques. Isso traz renda e desenvolvimento para a economia local, regional e nacional”, explica.
Por: Correio 24 horas