PERNAMBUCO

Maior tragédia do século em Pernambuco, mortes pelas chuvas de 2022 superam total da cheia de 1975

Entre a lama e a desesperança, mais de uma centena de vidas foram perdidas em Pernambuco desde a última quarta-feira (25). Vítimas de deslizamentos de barreiras e de enxurradas provocadas pelas chuvas torrenciais, 126 pessoas morreram, segundo as últimas informações oficiais. Essa já é a maior catástrofe natural do século 21 no Estado e a maior de uma geração inteira.

O caos no Recife ganhou repercussão nacional. À época, a Folha de S.Paulo anunciava: “Calamidade pública no Recife inundado por chuvas”. A água chegou a mais de dois metros de altura em diversos bairros da cidade. Os registros indicam 175 mortos, naquela que é a maior catástrofe natural do Estado em números.

Já em 1975, a cheia ficou marcada pelo boato do rompimento da barragem de Tapacurá e teve até registro de mortes por ataques cardíacos diante do susto causado pela notícia falsa.

Cerca de 80% do território habitado do Recife ficou debaixo d’água. O transbordamento do Capibaribe, em 17 de julho, paralisou a capital pernambucana e diversos municípios por ele banhados. Ao todo, 107 pessoas morreram naquele ano.

A historiadora Gizelly Medeiros recorda que as duas grandes enchentes na capital pernambucana ocorreram durante o período da ditadura militar (1964-1985). 

“A cheia de 1966 teve mais mortes, mais pessoas foram atingidas. No entanto, a de 1975 foi mais caótica, causou mais danos, deixou o Recife completamente alagado”, cita.

Os dois presidentes militares que estavam ocupando o cargo na época – Castelo Branco e Ernesto Geisel, respectivamente – vieram ao Recife. “Tentaram fazer alguma coisa, mas nada foi feito naquele período”, completa Gizelly.

O problema de cheias no Recife é histórico e remonta aos períodos colonial e da invasão holandesa. “A primeira enchente que se tem notícia no Recife foi no século 17, lá pelos anos 1600. Maurício de Nassau governava o Recife quando aconteceu a segunda grande enchente e ele foi uma das primeiras pessoas que mandou construir nas margens do Capibaribe, na região que seria mais ou menos Afogados [bairro da Zona Oeste do Recife]”, acrescenta a historiadora.

Cortada por dezenas de rios, a cidade não é conhecida como “Veneza Brasileira” à toa. E as chuvas intensas, que, de tempos em tempos, vêm “maiores do que o esperado”, intensificam o drama, especialmente, de quem mora nos morros e barreiras, diante da falta de infraestrutura e de moradia digna.

O professor e pesquisador do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Osvaldo Girão lembra que as mortes das cheias do século passado e das chuvas deste ano têm características diferentes.

“As cheias de 66 e 75 eram em um momento em que a população recifense era menor. Hoje temos 1,6 milhão de habitantes, mas naqueles anos tínhamos uma população certamente menor que 1 milhão, mas que habitava na área de planície. Por conta disso, os casos de óbitos eram majoritariamente ligados à questão de afogamento. Comparando com o momento atual, tivemos muitos mortos por movimentos de massa que são esses deslizamentos”, explica Girão.

maior adensamento populacional em direção aos morros e encostas da cidade contribuíram para esta problemática. As soluções passam por planejamentos de médio e longo prazo, defende o professor. “Talvez, de imediato resolver problemas de drenagem nessa área de encosta. A água cai e muitas vezes não há direcionamento dessa água. É preciso fazer com que essa água chegue rapidamente no sopé da encosta”, completa Osvaldo Girão.

“A tendência pelo que a gente vê por conta do aquecimento global é que esses eventos se tornem mais frequentes. Essas ondas de leste [fenômeno que causou as chuvas torrenciais deste ano] têm intensidade maior desde a década passada”, frisa.

Também chamado de Distúrbio Ondulatório de Leste, o fenômeno é uma configuração dos ventos que favorece a elevação da umidade de baixos níveis para altos níveis. Quando a umidade encontra certa altura, transforma-se em nuvens e, dependendo da quantidade de umidade, em nuvens de tempestade. Aliada ao sistema, a temperatura do oceano até três graus mais quente do que o normal para esta época do ano intensificou as chuvas.

É preciso também investir em prevenção, acrescenta o professor. Ele defende, por exemplo, mais investimentos em prevenção por parte da Defesa Civil: “A Defesa Civil no Brasil é muito de ação no pós-evento. O que acontece antes do evento? As populações devem interagir e reconhecer os riscos, deve conhecer seu ambiente, os dispositivos de alerta, a possibilidade de evacuação”, fecha Girão.

Por: Folha de pernambuco