Dois relatórios do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontaram uma série de problemas nos presídios de Pernambuco, especialmente no Complexo do Curado, na Zona Oeste do Recife. Após inspeções, foi constatado que, em meio ao caos do sistema prisional do estado, há aluguel de barracos e presos com mordomias (veja lista abaixo).
Além disso, existe a figura do “chaveiro” como política institucionalizada pelo estado. São presos que fazem uma gestão informal do presídio, exercendo funções que seriam de servidores públicos.
Os “chaveiros” decidem quem será atendido ou não pelos setores de saúde, jurídico e psicossocial, e, em alguns casos, até quem será beneficiado ou não com escassas vagas de trabalho para detentos. Segundo o governo, “o controle da lotação dos presos nas celas é de responsabilidade dos policiais penais” (leia resposta do estado abaixo).
Os relatórios tiveram aprovação unânime do Plenário do CNJ. Na terça (4), a ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), fez inspeção no Complexo do Curado e disse que a situação dos presídios é dramática e “não pode ser escondida sob os tapetes”.
O Complexo do Curado é composto pelo Presídio Marcelo Francisco de Araújo (Pamfa), Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (Pjallb) e Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB).
Esses relatórios foram feitos com base em inspeções realizadas em agosto de 2022. Na época, o supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do CNJ disse ao g1 que o complexo é “um depósito de gente”.
O CNJ determinou, então, redução de 70% na população do Complexo do Curado, e a entrada de novos detentos foi proibida. Havia 6,5 mil pessoas, aproximadamente, no ano passado. Atualmente, segundo o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), há cerca de 3 mil presos no local.
O que diz o CNJ
Sobre a situação dos presídios de Pernambuco, os relatórios do Conselho Nacional de Justiça apontaram que:
A fiação é antiga e com mofo e, segundo o CNJ, por todos os lados há gambiarras e fios improvisados. No Pjallb, inclusive, houve relatos de incêndios por curto-circuito.
No Presídio de Limoeiro, no Agreste, há venda e aluguel de barracos, com valores que podem chegar a R$ 30 mil.
Quando os detentos sem barraco recebem visita íntima, podem alugar um por R$ 50; caso não tenham agendado com antecedência, o valor aumenta para R$ 100.
No Presídio de Igarassu, no Grande Recife, os barracos custam, em média, R$ 5 mil. Há indícios de repasse do dinheiro arrecadado por “chaveiros” a servidores públicos.
No Curado e em outras unidades, o “chaveiro” acaba se tornando uma espécie de mesário, agente de saúde, cantineiro e faxineiro, bem como responsáveis pela facilitação da comunicação entre presos e policiais penais.
Segundo o CNJ, nos presídios de Pernambuco, mais especificamente no Complexo do Curado, a administração “possui pouco conhecimento sobre o cotidiano e a rotina nos pavilhões”.
O CNJ aponta que permitir a existência dos “chaveiros” cria “práticas de verticalização do poder, de comercialização, de violência, de represálias entre pares”.
No Curado, há “uma nítida estratificação social nos pavilhões”. Presos com mais dinheiro ou liderança têm barracos muito superiores a outros, com revestimento em cerâmica, camas com colchão, banheiro privativo, som, TV, estoque de alimentos, por exemplo.
Nessas acomodações privilegiadas, há caixas d’água dentro dos banheiros, em alvenaria, enquanto nos outros locais, o fornecimento de água é fracionado.
Pessoas LGBTQIA+ são mantidas em espaços separados, mas continuam sendo alvo de preconceito.
No Pamfa, com relação à demanda de pessoas trans por tratamento hormonal, não haveria médico que autorizasse a realização do tratamento hormonal.
Quando a família leva o hormônio, ele é aplicado na enfermaria, mas há relatos de que a unidade proíbe o ingresso do hormônio ou só permite a aplicação apenas uma vez por mês.
Especificamente no Complexo do Curado, observou-se uma população enorme de gatos, cachorros, ratos e baratas em todos os pavilhões, áreas internas e externas.
As comidas são preparadas por pessoas presas nas cozinhas das unidades (algumas nomeadas por “ranchos”), por trabalho voluntário ou remunerado e com remição de pena. Entretanto, há diversos relatos de pessoas que passam fome em várias unidades.
No Cotel e no Pamfa, as pessoas são obrigadas a comer com as mãos ou em baldes ou recipientes improvisados, como fundos de garrafa. A comida disponibilizada não é suficiente para todas as pessoas, e quem está no final das filas recebe menos comida.
Em algumas unidades, há refeitórios paralelos, que vendem marmitas que variam entre R$ 13 e R$ 20. No Cotel, há uma pessoa presa designada para a função de cozinheiro e outra para a função de gerente da cozinha informal.
Resposta do governo
Procurado pelo g1, o governo de Pernambuco, responsável pela gestão dos presídios no estado, se pronunciou sobre o assunto através da Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres), que diz que:
- “o controle da lotação dos presos nas celas é de responsabilidade dos policiais penais”;
- “para reforçar o efetivo, está em andamento o curso de formação de policiais penais de Pernambuco”;
- “o atendimento à população carcerária é realizado pela equipe técnica, através de atendimento espontâneo ou busca ativa”;
- “todas as unidades prisionais contam com espaços voltados para a população LGBTQIA+, entretanto a decisão de permanecer no pavilhão específico não é obrigatório, ficando a escolha do (a) reeducando(a)”;
- “a alimentação é fornecida pela Ceasa [Centro de Abastecimento e Logística] e possui o cardápio elaborado por nutricionistas da Seres”;
- “são oferecidas, no mínimo, três refeições por dia, com cardápio diferenciado para pessoas com necessidades especiais”.
Fonte: g1 Pernambuco