JUAZEIRO

Agrovale já causou a maior mortandade de peixes no rio São Francisco

Numa manhã fria, em meados de março de 1984, tudo parecia muito tranquilo e calmo no vale do São Francisco. Ao raiar do dia, pássaros em revoada anunciavam um dia de sol intenso, bom para voos rasantes perto da superfície do rio em busca de algum alimento. Mas lá fundo, no leito do rio São Francisco, um velho surubim não saiu da loca, na verdade passou a noite em claro.

Durante o final de tarde do dia anterior, ele percebeu e sentiu um movimento estranho nas águas do rio. Ao dar o seu tradicional passeio do entardecer pelo leito do rio, viu casais de jovens surubins enamorados, cagados d’água fazendo piruetas, pequenos dourados se arriscando perto das piranhas matreiras, piaus, caris, matrinxãs, mandis todos envolvidos com as suas atividades diárias, não percebiam que algo estranho e terrível estava para acontecer.

O velho surubim sentir o gosto amargo de uma substancia que possivelmente já vinha sendo despejada no rio. Era o vinhoto. A vinhaça – ou vinhoto – é um subproduto do processo de fabricação de etanol a partir da destilação do caldo
fermentado da cana-de-açúcar.

Não demorou muito para que todos percebessem que as águas do velho Chico não estavam boa, um gosto amargo e intragável. De repente velhos e novos dourados estavam morrendo, piranhas asfixiadas boiavam na superfície, surubins com pesos e tamanhos nunca pescados, sucumbiam ao vinhoto.

Milhares de peixes mortos desciam rio abaixo, uma cena de doer os olhos dos ribeirinhos, acostumados com a beleza natural do rio, choravam pela cena dantesca de destruição.

A comunidade atônita procurava saber o que estava acontecendo, alguns acreditavam em castigo divino, outros na maldade de alguém. As autoridades políticas tentavam acalmar a população com possibilidades esdrúxulas. Mas a verdade não demorou aparecer, a empresa AGROVALE foi a grande responsável pela mortandade de toneladas de peixes, pelo maior desastre ambiental registrado pelo velho Chico.

A AGROVALE continua contribuído para a destruição da natureza no vale do São Francisco.

Quanto ao velho Chico, nunca mais foi o mesmo. O velho surubim resistiu ao vinhoto, mas não teve forças para resistir ao desmatamento da mata ciliar e morreu numa manhã fria, asfixiado por terra e lodo.

Segundo ROSANA ICASSATTI CORAZZA, no artigo intitulado: “IMPACTOS AMBIENTAIS DA VINHAÇA: CONTROVÉRSIAS CIENTÍFICAS E LOCK-IN NA FERTIRRIGAÇÃO? “, produzido em 2006.

Um dos casos, ocorrido em 1984, entre as barragens de Sobradinho e Moxotó no Rio São Francisco, foi provocado pelo rompimento de uma barragem de contenção de vinhaça e o conseqüente derramamento de 45 mil m3 de vinhaça no Riacho Tourão, afluente do São Francisco, pela empresa Agrovale.

O resultado ficou conhecido como maior desastre ecológico no Rio São Francisco, provocando a morte de 300 toneladas de peixe. Embora a Agrovale tenha tentado dissimular as evidências da contaminação, revolvendo a terra contaminada às margens do rio com tratores, não conseguiu dissuadir a opinião pública e das autoridades sobre sua responsabilidade.

Segundo o relato do autor, a revolta da população ribeirinha, cuja sobrevivência dependia da pesca, deu notoriedade ao episódio. A opção pela fertirrigação, que reduz o risco de contaminação dos mananciais no curto prazo, certamente foi favorecida por episódios como este, envolvendo acidentes provocados por rompimento de tanques de vinhaça levando ao derramamento do resíduo em mananciais de superfície.