BRASIL

Lula manterá a estratégia de ignorar certas bandeiras caras ao PT

Como ocorreu no ano passado, o presidente Lula definiu como prioridade no Congresso, em 2024, a aprovação de projetos da agenda econômica. Por isso, ele não pretende envolver o governo nos debates sobre dois assuntos caros ao PT, mas que enfrentam resistência de integrantes da cúpula do Legislativo e de segmentos importantes da sociedade: a flexibilização das regras sobre aborto legal e a descriminalização das drogas.

O primeiro tema estava fora da pauta até que, no fim de fevereiro, a equipe da ministra da Saúde, Nísia Trindade, divulgou uma nota técnica sobre aborto legal. O texto estabelecia que não há limite temporal para a interrupção da gravidez nos casos previstos em lei e, na prática, anulava uma decisão da gestão de Jair Bolsonaro que permitia o procedimento apenas até 21 semanas e 6 dias de gestação. Como o tema é desgastante para o governo, formou-se a confusão.

Nas redes sociais, bolsonaristas lançaram mão do caso para fustigar o presidente. Houve reações também no Congresso, que é de maioria conservadora. Para tentar conter o desgaste, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, telefonou para Nísia e, na conversa, combinaram de agir rapidamente. Assim foi feito. O ministério suspendeu os efeitos da nota técnica, alegando que não havia sido analisada por “todas as esferas necessárias” e pela consultoria jurídica da pasta.

Foi uma tentativa de conter danos, já que o debate sobre mudanças nas regras do aborto enfrenta resistência, por exemplo, dos evangélicos, que respondem por 30% do eleitorado e formam uma das bancadas mais poderosas da Câmara. Mais: entre os evangélicos, a desaprovação ao trabalho de Lula atinge 62%, muito acima da média de desaprovação ao presidente, que é de 46%, segundo pesquisa Genial/Quaest.

Risco estratégico

Outro tema que o governo pretende evitar é a descriminalização das drogas, iniciativa apoiada pelo PT e que está sob julgamento no Supremo Tribunal Federal. Até o pedido de vista do ministro Dias Toffoli, na última quarta-feira, cinco dos onze ministros do STF tinham votado a favor da descriminalização do porte de pequena quantidade de maconha para uso pessoal, enquanto três se manifestaram em sentido contrário.

Se a tese que está em vantagem prevalecer ao final do julgamento, é provável que os parlamentares votem uma proposta de emenda constitucional a fim de reverter a decisão do STF. Para não melindrar as cúpulas da Câmara e do Senado, Lula já deixou claro aos governistas que esse assunto é da alçada do Legislativo, e não do governo. Ele não está disposto a comprar essa briga por entender que dificilmente sairá vencedor dela.