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Democracia e violência: a escalada

O Atlas da Violência 2019 foi lançado dia 5 de junho pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro da Segurança Publica, com dados referentes ao período de 2007 a 2017, tabulados pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), e divulgados no site do Departamento de Informática do SUS (Datasus). O Atlas revela que, em 2017, ocorreram 65.602 homicídios. Indo contra a corrente das propostas de desmonte do controle de armas, constata-se que a imensa maioria dos homicídios, 79,6%, foi praticada por armas de fogo.

Além de devassar os números, o Atlas revela cabalmente que essas mortes não se distribuem de forma igual por toda a população. É um implacável retrato de uma sociedade marcada pela desigualdade, pela concentração de renda, pelo racismo, pelo machismo contra as mulheres, pela homofobia e pela incapacidade dos governos democráticos em implementar efetivamente políticas de segurança publica que protejam os brasileiros, especialmente os mais pobres e negros. É uma sociedade onde prevalece um apartheid estrutural que impede o acesso dos negros aos circuitos de poder, combinado com um racismo cada vez mais desavergonhado, violento, e impune,  nas relações interpessoais. Foram negras 75,5% das vítimas de homicídio em 2017, sendo a taxa de homicídio 43,1 por 100.000 habitantes — o que significa que, para cada homicídio não negro, houve 2,7 negros. Enquanto a taxa de homicídios de mulheres negras cresceu 29,9%, entre as brancas cresceu 1,6%.

No Brasil, a violência dizima a juventude: 35,783 jovens foram assassinados, uma escalada de 36,7% de crescimento, em comparação com dados de 2007. Cada vez mais prevalece o machismo nas relações entre homem e mulher. O número de mulheres mortas por arma de fogo na residência cresceu 25,4%. O número de mulheres mortas fora da residência subiu 6,2% A homofobia, traduzida em ataques e homicídios de pessoas LGBTI+, significou que foram denunciados 193 homicídios, sendo que entre 2016 e 2017 o número de denuncias cresceu 127%.

Que conclusão maior tirar dos resultados do Atlas da Violência 2019? O governo democrático tem de incorporar a política de segurança como política fundamental para a realização do direito à vida e todos os direitos humanos. Está mais do que demonstrado, no mundo e aqui, que as políticas de mano dura caracterizadas pela exaltação das execuções extralegais pelas polícias militares, pela suspensão do controle da posse e do porte de arma, e pelo encarceramento em níveis delirantes estão fadadas ao fracasso. Um regime democrático, marcado pela violência e aplastado por aquele número brutal de homicídios, não pode ter condições de se consolidar e estará sempre sob a ameaça de um retrocesso autoritário.

Paulo Sérgio Pinheiro Presidente da Comissão Arns, cientista político, ex-ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos.

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