1. Porque o discurso da cobrança de mensalidades nada mais é do que uma camuflagem do projeto de privatização das universidades públicas, que enriquecerá alguns e garantirá a exclusividade do acesso ao ensino superior aos grupos privilegiados. É um discurso que se junta sempre com a ideia, falsa, de que só os ricos vão para as universidades públicas e que, portanto, haveria uma grande injustiça em sua gratuidade.
Pesquisa divulgada no ano passado pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES) mostrou que dois terços do quadro de alunos têm origem em famílias com renda média de até 1,5 salário mínimo. Quase 50% dos estudantes se autodeclararam pretos e pardos, 52% são mulheres, 60% vêm de escolas públicas, 35% trabalham, 53% utilizam transporte coletivo para frequentar as aulas.
Ou seja, a imagem dos carros de luxo estacionados nas portas das universidades públicas é mentirosa e não condiz, absolutamente, com a realidade atual.
2. Porque a democratização do acesso ao ensino superior ocorrida nos últimos anos, ainda que seja insuficiente, mostra que há políticas que podem promover de maneira efetiva o acesso dos mais pobres à universidade pública. A cobrança de mensalidade vai na contramão disso: busca, na verdade, garantir o monopólio dos mais ricos. Pode ser entendida hoje como uma reaçãocontrária à paulatina ocupação, desse espaço social privilegiado, por estudantes vindos das classes populares.
Como bem lembrou Rogério Cezar de Cerqueira Leite, em artigo recente, não é por acaso que os defensores da cobrança de mensalidades são os mesmos que se opõem às cotas.
3. Porque o objetivo da universidade pública não é fornecer diplomas, construir carreiras ou garantir posições sociais vantajosas, mas formar os profissionais necessários para o desenvolvimento econômico e social do país. Isso implica em decisões sobre criação de cursos e currículos, sobre número de vagas e cotas. Essas decisões fazem parte de um projeto nacional, tomando a feição de políticas públicas para a educação. Não podem ficar nas mãos de grupos privados.
4. Porque isso desobrigaria o Estado de garantir o financiamento das universidades. Assim, elas teriam que buscar cada vez mais alunos pagantes e, ao mesmo tempo, se tornar mais “sedutoras” para eles. Ou seja, eliminam-se cursos e especialidades que se mostrem pouco atraentes para os estudantes abastados, não importa se são necessárias para a sociedade brasileira.
5. Porque, mesmo que houvesse bolsas de estudos para os mais pobres, isso criaria, dentro das universidades, duas classes de alunos, aqueles que as financiam e os que não passam de um ônus. As universidades que tivessem uma proporção maior de estudantes mais ricos seriam beneficiadas, em prejuízo daquelas com alunado mais pobre.
6. Porque a universidade pública tem, sim, que ser paga pelos ricos, mas por meio dos impostos. Os ricos não comprariam uma vaga com seu dinheiro: permitiriam que a sociedade definisse os critérios de acesso ao ensino superior. Com isso, os estudantes pobres não seriam discriminados e as universidades que recebessem menos filhos de famílias abastadas não seriam prejudicadas. E o mais importante: a universidade não seria vista como fornecedora de um bem privado (o diploma), mas de competências úteis para a sociedade.
7. Porque precisamos, verdadeiramente, de médicos, matemáticos, psicólogos, antropólogos, engenheiros, fonoaudiólogos vindos de diferentes estratos sociais, porque eles trazem outras perspectivas para a pesquisa, o ensino, a produção e a atividade profissional.
8. Porque o problema não é que os ricos não pagam pela universidade, é que pagam muito menos imposto do que deveriam.
Regina Dalcastagnè é doutora em literatura pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora titular do Departamento de Teoria Literária e Literaturas da Universidade de Brasília (UnB).
Luis Felipe Miguel é doutor em ciências sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor titular do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB).