Desta vez, o vexame aconteceu longe de casa. Ricardo Salles cumpria agenda em Dubai, nos Emirados Árabes, quando se tornou pública a recusa dos governos da Alemanha e da Noruega de apoiarem as mudanças propostas pelo ministro do Meio Ambiente do Brasil no Fundo Amazônia, criado para financiar projetos que reduzam as emissões de gases de efeito estufa causadas pelo desmatamento na região. Dos quase 3,4 bilhões de reais captados, 99% provêm de doações dessas duas nações europeias. Antigo aliado dos ruralistas, Salles pretendia usar parte dos recursos para indenizar proprietários de terras desapropriadas na criação de unidades de conservação. Não sem antes acusar o BNDES de má gestão e falta de zelo na fiscalização dos contratos, o velho hábito de desdenhar do objeto de cobiça.
Em meados de maio, o ministro convocou uma coletiva de imprensa na sede do Ibama em São Paulo para anunciar, com estardalhaço, que a pasta havia analisado um quarto dos 103 projetos apoiados pelo fundo. Na ocasião, assegurou ter identificado “problemas em 100% dos contratos de ONGs”. Não especificou quais, tampouco comprovou as supostas irregularidades. Entre os indícios de “inconsistências”, pontuou Salles, haveria uma “absorção muito elevada” de gastos para pagamento de pessoal, entre 40% e 60% das verbas destinadas, como se fosse um robusto indício de fraude ou corrupção.
Bastou a palavra do ministro para o BNDES afastar a chefe do Departamento de Meio Ambiente, Daniela Baccas, responsável pela operação do Fundo Amazônia, mesmo após o Tribunal de Contas da União ter atestado, em auditoria realizada no ano passado, que os recursos “estão sendo utilizados de maneira adequada e contribuindo para os objetivos para o qual foi instituído”. Há tempos, Salles pressionava executivos do banco estatal para ter acesso aos contratos do fundo, alguns deles com dados confidenciais. Só recebeu a papelada após fazer uma solicitação formal.
Os financiadores europeus não caíram na conversa. Em carta endereçada a Salles e ao então ministro Santos Cruz, da Secretaria de Governo, os embaixadores Nils Gunneng, da Noruega, e Georg Witschel, da Alemanha, defenderam a competência do BNDES para gerir o fundo, constituído em 2008 para contribuir na preservação da floresta. “Nenhuma das auditorias financeiras ou de impacto realizadas descobriu quaisquer atos ilícitos ou má administração dos recursos”, diz o texto datado de 5 de junho, mas só revelado na terça-feira 11 pelo jornalista André Trigueiro, da TV Globo. “Na ausência de quaisquer mudanças acordadas na governança do Fundo Amazônia, esperamos, portanto, que o BNDES continue a administrar o fundo e a aprovar projetos em andamento, de acordo com os acordos e diretrizes existentes.”
“Podem se manifestar à vontade”
Em casa, o revés foi mais ruidoso. Em 6 de junho, durante uma sessão solene do Senado em homenagem ao Dia Mundial do Meio Ambiente, Salles foi vaiado ao negar o desmonte do Ibama, responsável pela fiscalização de crimes ambientais, e do ICMBio, autarquia que cuida das unidades de conservação federais. “Podem se manifestar à vontade, o desmonte foi herdado de gestões anteriores. Quem recebeu a fragilidade orçamentária fui eu, quem recebeu déficit gigantesco de funcionários fui eu, quem recebeu frotas sucateadas e prédios abandonados fui eu”, disse. Ao sair da audiência, enfrentou outro protesto puxado por ambientalistas e indígenas, a repetir aos brados: “Fujão! Fujão!”.
Autuado por pesca ilegal no litoral fluminense, seu chefe, Jair Bolsonaro, prometeu em campanha acabar com a “indústria das multas” ambientais. Eleito, chegou a anunciar a extinção do Ministério do Meio Ambiente, que teria a estrutura incorporada pela pasta da Agricultura. Até mesmo representantes do agronegócio manifestaram-se contra a iniciativa, que poderia resultar em barreiras comerciais aos produtos brasileiros. A nomeação de Salles permitiu-lhe manter o projeto inicial, de forma sorrateira e talvez até mais efetiva.
Fonte: Carta Capital