POLÍTICA

Viagem de Marcos do Val aos EUA expõe baixa eficácia de apreensão de passaporte

A ida do senador Marcos do Val (Podemos-ES) com familiares para os Estados Unidos expôs a baixa eficácia de decisões de apreensão de passaportes como forma de evitar que investigados deixem o país.

A medida adotada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), tinha como objetivo impedir que o senador viajasse ao exterior enquanto é alvo de inquéritos da Polícia Federal.

Marcos do Val, porém, embarcou na capital federal rumo a Miami na última terça-feira (23) com seu passaporte diplomático e passou por todas as inspeções no Aeroporto de Brasília sem sofrer impedimentos.

Uma nota técnica produzida pela Polícia Federal e obtida pela reportagem mostra que pelo menos desde 2023 a corporação aponta para a ineficácia da apreensão física de passaportes como método para evitar fugas.

O material serviu de base para um despacho do Conselho da Justiça Federal, de fevereiro deste ano. O corregedor-geral, ministro Luis Felipe Salomão, sugere que os juízes optem por alternativas mais eficazes para impedir a saída do território nacional.

A nota técnica é assinada pelo delegado Marcos Renato da Silva Lima, chefe substituto da Divisão de Passaportes. Ele destaca três pontos que tornam a apreensão do documento uma medida pouco eficaz.

O primeiro é que o Brasil possui um acordo com o Mercosul que permite o livre trânsito entre os países somente com o documento de identidade.

“Conforme acordado entre as nações que integram o bloco é admissível a utilização de identidade (no Brasil o RG) como documento de viagem. Mais efetiva será a inserção de ‘impedimento de saída do território nacional’ nos bancos de dados da Polícia Federal”, diz o documento. A medida não deve ser efetiva, porém, em fugas por fronteira seca.

Lima pondera ainda que o alvo da medida de apreensão do passaporte não fica proibido de solicitar um novo documento à Polícia Federal. Para o delegado, seria mais efetivo se, ao invés de apreender o documento, a PF inserisse em seu banco de dados um “impedimento de emissão de novo passaporte”.

Por último, a nota destaca que a apreensão física do passaporte não é simples e pode “implicar em dificuldades técnicas e procedimentais”, como a custódia do documento.

“Mais efetiva e prática será a ‘suspensão do passaporte’ nos bancos de dados da Polícia Federal e Ministério das Relações Exteriores. Procedimento bastante simples de se implementar, e uma vez cancelado o passaporte, a caderneta será imprestável para empreender viagem”, completa.

O ministro Salomão assinou uma portaria para recomendar a toda a magistratura que busque alternativas diante da ineficácia da apreensão física do passaporte.

“Orientar os magistrados e magistradas a optarem, no caso de aplicação de medidas constritivas voltadas à restrição de saída do cidadão do território nacional, pela determinação de inserção, nos sistemas da Polícia Federal, dos comandos de impedimento de saída do território nacional, de impedimento de emissão de novo passaporte e de suspensão do passaporte”, diz o texto.

Do Val é investigado por supostamente fazer uma campanha contra policiais federais que atuavam na investigação da trama golpista. O ministro Alexandre de Moraes determinou em agosto de 2024 a apreensão dos passaportes comum e diplomático dele. A decisão foi referendada pela Primeira Turma do STF, por unanimidade, em dezembro de 2024 e março deste ano.

No ano passado, agentes da Polícia Federal foram até a casa do senador, em Vitória (ES). Do Val, porém, alegou que não estava com seu passaporte diplomático —o documento, segundo a versão de aliados do senador, estaria em seu gabinete, em Brasília.

O senador fez uma live nas redes sociais na quinta-feira (24) e mostrou seus documentos no vídeo. Em petição ao Supremo, a defesa do parlamentar afirmou que Moraes “não proibiu expressamente o senador Marcos Ribeiro do Val de sair do país, embora tenha decretado a apreensão de seu passaporte”.

Como reação à viagem do senador aos Estados Unidos, Moraes decidiu bloquear as contas bancárias e o cartão de crédito de Do Val e de sua filha, segundo informou a defesa do senador.

A reportagem pediu esclarecimentos sobre o caso para o STF e para a Polícia Federal, mas não obteve resposta.

A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) fugiu do Brasil em maio após ser condenada a dez anos de prisão pela invasão aos sistemas do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Ela deixou o país de carro até a Argentina e pegou um avião com destino aos Estados Unidos.

O caso de Zambelli é diferente do senador Do Val. O Supremo devolveu a ela os passaportes após quase dois anos apreendidos. Ela não tinha na ocasião restrições judiciais para sair do país —mesmo recém-condenada e às vésperas de ser presa.

A deputada passou a ser considerada foragida internacional, com o nome incluído na lista vermelha da Interpol, e segue na Itália.

O STF estima ter pouco mais de 60 pedidos de extradição ainda em aberto relacionados a réus ou condenados pelos ataques às sedes dos Poderes de 8 de janeiro.

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